Título: PRECÁRIO E EM EXPANSÃO
Autor: Cássia Almeida e Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 27/04/2006, Economia, p. 23

Emprego doméstico é o que mais cresce, mas 65% dos trabalhadores não têm vínculo formal

Salário 65% menor que a média dos trabalhadores, escolaridade baixa, formalização em queda, mão-de-obra em expansão. Foi este o perfil que o IBGE traçou da atividade que mais emprega mulheres e negros no país: o serviço doméstico. O segmento ¿ que abraça, além da doméstica, diarista, arrumadeira, babá, cozinheira, faxineira, jardineiro, zelador, vigia, entre outros ¿ tem mais servidores que a construção civil e foi o maior gerador de empregos dos últimos quatro anos nos seis maiores centros urbanos do Brasil. Enquanto a população ocupada nessas áreas cresceu 15% de março de 2002 ao mês passado, o total de empregados domésticos, que neste 27 de abril comemoram o seu dia, avançou 21%.

¿ O trabalho que mais cresceu no país foi o doméstico. Parte disso se deve à recuperação da renda, que permitiu a contratação de trabalhadores pelas famílias de classe média ¿ diz Katia Namir, analista do IBGE.

O levantamento especial ¿Trabalhadores domésticos, quem são?¿ foi elaborado com base nas estatísticas da Pesquisa Mensal do Emprego (PME). O mapeamento constatou que a proporção de empregados domésticos com carteira assinada caiu três pontos percentuais desde março de 2002, contrariando a tendência de formalização no mercado brasileiro.

Setor emprega mais que construção civil

A proporção de domésticas com carteira assinada naquele mês era de 37,4%. Em março deste ano, o percentual estava em 34,4%. A contrapartida dessa queda é, naturalmente, o aumento do emprego sem carteira assinada e, portanto, mais precário. A analista do IBGE argumenta que o número se refere a março, não à média anual. Como o emprego doméstico costuma oscilar em períodos curtos, Katia considera precipitado qualquer diagnóstico de precarização das relações de trabalho. O fato é que dois terços (65,6%) das domésticas não têm vínculo formal com os patrões. Vale ressaltar que, segundo o IBGE, menos de 20% delas trabalham em mais de um domicílio.

Um ponto, pelo menos, avançou no período, segundo o IBGE: a jornada dos trabalhadores domésticos é menor que a média dos ocupados. Elas ¿ a esmagadora maioria é de mulheres (94,3% dos 1,620 milhão de ocupados) ¿ trabalham 37,6 horas semanais contra 41,9 horas da média dos ocupados de Rio, Recife, Salvador, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte:

¿ É uma atividade econômica que emprega mais que a construção civil (8,1% dos ocupados contra 7,2% da construção) ¿ diz Cimar Azeredo, coordenador da PME.

O serviço doméstico é o principal empregador da mão-de-obra feminina (17,5% das mulheres que trabalham estão na atividade) e negra (são domésticos 12,8% dos ocupados que se declaram pretos ou pardos). Hildete Pereira de Mello, professora da UFF que há décadas estuda o tema, decepcionou-se com as conclusões do levantamento:

¿ A fotografia continua a mesma. Para a sociedade brasileira, o serviço doméstico remunerado é o que sustenta as mulheres pobres.

A professora chama a atenção para a parcela que é responsável pela casa. Enquanto na população feminina em geral 26% chefiam o domicílio, entre as domésticas, a fatia sobe para 37,4%. Em 2002, representavam 33,3%.

Cleide Silva Pereira Pinto ajuda o marido no sustento da casa. Foi o casamento que a afastou da escola e levou-a para o trabalho doméstico: empregou-se como babá antes dos 20 anos para montar o enxoval. Hoje, aos 37 anos, com dois filhos de 18 e 11 anos, ganha R$350 para trabalhar três vezes por semana na mesma casa:

¿ Trabalhava como diarista e me arrependo amargamente de ter deixado os estudos. Voltei à escola e estou no segundo ano do ensino médio. Pretendo cursar faculdade de gastronomia, se conseguir bolsa.

Pela experiência de vida, se esforça para manter os filhos na escola ¿ a mais velha faz educação física. Além de trabalhar como doméstica, ela faz salgadinhos, bolos, ovos de Páscoa e o que aparecer de serviços culinários. Tantos anos de trabalho a fez conquistar amizade da patroa, a empresária Maria Inês Campos Guerra, que tem dois filhos, de 23 e 21 anos, criados com a ajuda de Cleide.

¿ É uma pessoa da família, uma amiga. Além da ajuda na faxina, gosto da companhia dela. Tem todo o nosso respeito e amizade ¿ diz Inês.

Situação como essa não é tão comum. Moradora de Nova Iguaçu, duas vezes por semana Cleide é voluntária no Sindicato das Empregadas Domésticas da cidade:

¿ Vi empregadas ganhando R$25 por mês. Muitas não sabem ler, são enganadas e assinam recibos de valores que nunca receberam.

Quase 30% ganham menos de um salário

A falta de escolaridade aparece na pesquisa do IBGE: 64% das domésticas têm até oito anos de estudo. Apesar do baixo salário, há desemprego na atividade: 4,8%. É o caso de Ana Paula Simões, de 25 anos, que procura emprego há três meses. Trabalhava como diarista, cuidando de um casal de idosos. Nunca teve a carteira assinada como doméstica. O único registro vem da época em que trabalhou numa fábrica:

¿ Aceito qualquer coisa, mas preferia um emprego com carteira. Mas quero mesmo me formar professora ¿ diz Ana Paula, que abandonou os estudos aos 16 anos, quando engravidou. O filho tem hoje 8 anos e ela já voltou aos bancos escolares.

A baixa remuneração é a marca desse grupo: 89,5% delas ganham até dois salários-mínimos (R$600), contra 51,6% da população ocupada em geral. Entre as domésticas, quase 30% (27,5%) recebem menos de um salário-mínimo. Mas há uma parcela ínfima de 0,8% (menos de duas mil pessoas no universo de 1,6 milhão) que chega a receber quatro salários-mínimos ou mais. Como cozinheira, Maria da Conceição Oliveira e Silva ganha R$1.600 por mês, mas só folga a cada 15 dias e dorme no emprego, numa jornada superior à média.