Título: Escoadouro de dinheiro público
Autor: Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 28/04/2006, O País, p. 3

ONGs receberam R$254 milhões do estado só de 2005 para cá e não explicam serviço

As empresas com sócios laranjas e endereços de fachada que doaram R$650 mil para a campanha do pré-candidato do PMDB Anthony Garotinho acabaram mostrando uma conexão ampla com recursos do governo do estado, que só de janeiro de 2005 a abril deste ano repassou, via Fundação Escola de Serviço Público (Fesp), R$254 milhões a 12 ONGs para prestação de serviço. Detalhe: mais de 90% dos contratos foi feito sem licitação, e as ONGs não explicam como prestam serviço ao estado, além de terem uma intrincada rede de endereços comuns ou já não utilizados. Procuradas ontem, muitas não funcionam nos lugares que declaram ou se recusam a explicar que tipo de serviço fazem. Entre as 12 ONGs há três cujos diretores são sócios de empresas que doaram recursos ao PMDB, como mostrou O GLOBO ontem.

Essas três ONGS ¿ Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Treinamento (IBDT), Instituto Nacional de Pesquisa e Ensino na Administração Pública (Inep) e o Instituto Nacional de Aperfeiçoamento da Administração (Inaap) ¿ ficaram com R$82,8 milhões (32,5% do total). Desde o início do governo Rosinha, as três receberam R$112,5 milhões.

A campeã no recebimento de recursos foi a ONG Centro Brasileiro de Defesa dos Direitos da Cidadania (CBDDC), que recebeu R$105,6 milhões em 2005 (41,5% do total). De acordo com as notas de empenho, o CBDDC prestou serviços para a Secretaria Estadual de Saúde e para a Cedae. Da saúde, de onde saiu a maior parte dos recursos, a ONG recebeu, de acordo com a descrição de um dos empenhos no Siafem, para o seguinte serviço: ¿Convênio de integração institucional entre a SES e a Fesp com o objetivo de fortalecer o SUS possibilitando maior resolutibilidade e melhor qualidade no atendimento nas unidades de assistência a saúde na rede estadual.¿

Empresa tem sede em Areal mas recebe no Rio

A empresa, que tem sede oficial na cidade serrana de Areal, recebeu uma montanha de dinheiro público mas funciona em duas salas de um prédio pequeno. É lá que elaboraria um projeto de melhoria no atendimento da rede hospitalar, além de programas de inclusão digital para crianças e até a informatização do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara e da Cedae, pelos quais recebeu. A firma, porém, recebe seus pagamentos num escritório na Rua Evaristo da Veiga, no Centro do Rio, e já está sendo investigada pelo Ministério Público do Estado.

A maior parte dos serviços contratados pelo estado via Fesp é de mão-de-obra. O Instituto de Qualidade Social (Iqual), por exemplo, recebeu em 2005 R$11,3 milhões e R$2,9 milhões em 2006 para desenvolver o projeto Voluntários da Paz. O projeto consiste na contratação de 1.210 jovens, mediante recebimento de bolsas, para o policiamento a pé pelas ruas da cidade do Rio.

A Secretaria de Saúde foi a grande fonte de recursos para essas ONGs. Além dos recursos para o CBDDC, a Fundação Oscar Rudge teve R$12,2 milhões para gerir o projeto Emergência em Casa. Já o Instituto de Organização Racional do Trabalho (Idort) recebeu R$13,6 milhões para tocar programa de nutrição na Saúde e também serviços de apoio à Faetec.

Das três ONGs cujos administradores constam como sócios nas empresas, a que recebeu por serviços para os mais diferentes órgãos foi o IBDT. O instituto tem como diretor Nildo Jorge Nogueira Raja, que é sócio da Emprin (doadora de R$200 mil para Garotinho). Ele recebeu R$23,5 milhões para gerir programas na saúde, na educação, no Instituto Vital Brazil, no Detran e na Cedae.

Já o Inaap, que tem como diretor, além de Nildo Jorge, Luciana de Souza Luz, que participou como sócia da doadora Inconsul Informática, recebeu R$23,8 milhões desde 2005. Ela é uma das responsáveis pela gestão do projeto Farmácia Popular. O Inep também recebe recursos desse projeto. Mas para a manutenção dos sistemas de informática. Desde 2005, a ONG recebeu R$35,5 milhões. O Inep tem como diretor Luiz Antônio Motta Roncoli, que vem a ser sócio majoritário da Virtual Line, que doou R$50 mil para o PMDB.

Roncoli também tem ligações com a Pró-Service, que consta como credora do estado no Siafem, e está sendo julgado pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) por contratação irregular de funcionários. Procuradores criticaram a relação estabelecida entre o estado e as ONGs e cooperativas. Segundo a procuradora Isabela Garneiro Terzi, não há rigor por parte do estado na escolha dessas entidades. Segundo ela, preocupa o fato de uma cooperativa sem estrutura vencer um processo de licitação por oferecer um menor preço, beneficiada pela desobrigação de custear alguns encargos sociais.