Título: Cautela para evitar as armadilhas
Autor: LUIZ FELIPE LAMPREIA
Fonte: O Globo, 28/04/2006, Opiniao, p. 7

ARodada Doha progride lentamente, com marchas e contramarchas, rumo a um desfecho que não deve ultrapassar o final deste ano. Até aqui não ganhamos nada, nem temos qualquer garantia sólida de que vamos fazê-lo. Mas a OMC está viva e isto é essencial para um país como o Brasil, que tem no comércio internacional um instrumento-chave para o crescimento econômico de que tanto necessita.

Quais são as expectativas?

É pouco realista considerar que pode haver um desmantelamento do protecionismo agrícola praticado pelos principais países ricos do mundo. Nos Estados Unidos, na Europa dos 25, no Japão ou na Suíça, o sistema político dá uma força mais do que proporcional ao voto rural. Embora a parcela da população empregada na agricultura não ultrapasse 3% ou 4% do total, seu peso nas decisões é tal que a União Européia, por exemplo, consagra mais de 50% de seu orçamento aos subsídios agrícolas. Atuam ainda fatores circunstanciais como eleições para o Congresso dos Estados Unidos, em novembro, que tornam os senadores mais inclinados a aumentar do que a cortar o apoio aos agricultores. É por isso que, há muitos anos, os avanços na liberalização do comércio agrícola internacional são lentos, sendo o caminho marcado por impasses e retrocessos.

Nesse terreno, que seria tão promissor para o Brasil graças à eficiência de nossa moderna agricultura, só podemos esperar progressos graduais. Eles resultam de que a conta dos subsídios está ficando pesada demais e é do interesse dos próprios países ajustar seus programas agrícolas de modo a torná-los menos onerosos para os consumidores e mais compatíveis com uma gestão inteligente da produção dos estoques de alimentos.

Por outro lado, para justificar politicamente as concessões que venham a fazer em agricultura, os países ricos cobram contrapartidas. Pressionam pela redução das tarifas que incidem sobre produtos industrializados em países como o Brasil, a Índia e a China. Hoje, as negociações estão centradas em fórmulas lineares de redução percentual dessas tarifas. Segundo alguns cálculos, o resultado poderia ser uma queda de mais de 50%.

Vai assim se colocar a questão do grau de abertura de nosso mercado de produtos industriais que podemos aceitar sem expor nossas empresas industriais a uma concorrência devastadora. Sabemos que elas já enfrentam gravíssimos desafios como o câmbio supervalorizado que estimula as importações, os juros elevados, a imensa carga tributária e a avalanche chinesa. Em muitos casos, a tarifa é o único anteparo que defende a empresa nacional de uma concorrência desigual.

Se as negociações em Genebra avançarem decididamente, o Brasil terá que tomar decisões difíceis. A primeira questão, portanto, será de como graduar nossas prioridades de negociação sem abrir mão da essencial ênfase à agricultura, mas evitando o risco do isolamento.

Temos que nos preparar para um embate difícil. Para tal, o Brasil precisa calibrar adequadamente sua posição, sem ênfase exclusiva nas demandas agrícolas em detrimento da indústria. É imperativo perseguir objetivos concretos e possíveis, mas não devemos, de outro lado, fazer concessões excessivas que ponham em risco parcelas importantes do setor produtivo brasileiro. Sempre nos será cobrada uma abertura maior sob o argumento de que praticamos tarifas mais altas do que os padrões internacionais para manufaturados. Mas é preciso ter em mente que não há qualquer garantia de que, para os campeões do protecionismo agrícola, a abertura de nossos mercados de bens e serviços seja moeda de troca real para eventuais concessões significativas de sua parte.

LUIZ FELIPE LAMPREIA foi chanceler e é presidente do Conselho de Relações Internacionais da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan).