Título: Livro mostra tráfico dando dinheiro à polícia
Autor: Mauro Ventura
Fonte: O Globo, 28/04/2006, Rio, p. 16

Na trama, é preciso tirar Bope de favela para que venda de drogas pague dívidas de membro da cúpula da segurança

O livro ¿Elite da tropa¿ é dividido em duas partes. A primeira, formada a partir de experiências e histórias que Batista e Pimentel acumularam, traz casos como ¿Justiça doméstica¿. Um policial civil entrou para o Bope, mas não abandonou antigos hábitos e montou um esquema de tráfico de armas. Foi morto pelos próprios colegas, na porta de casa. ¿Não se tratava propriamente de justiça, mas de interrupção da gangrena institucional e de sinalização aos companheiros¿, diz o narrador.

Mas o leitor vai se deparar também com cenas de heroísmo e bravura, como quando um soldado impediu que policiais civis levassem o dinheiro recuperado de bandidos. Ele subiu nas sacolas, apontou o fuzil em todas as direções e avisou: ¿Quem puser a mão na grana leva chumbo.¿

A segunda parte é mais assustadora. No livro, escrito numa linguagem crua, sem firulas e que não economiza palavrões, o Bope ocupa a Rocinha. Só que é preciso tirar a tropa de lá, para que os negócios do tráfico continuem a todo o vapor e o dinheiro chegue ao chefe de Polícia Civil, que está com dívidas de campanha. Um oficial seqüestra a mulher do chefe de uma facção, para pôr a culpa em outro bando e provocar uma guerra entre quadrilhas que retire o Bope da favela.

Autor: trata-se de ficção que dialoga com o real

Há vários personagens na trama, desde o deputado corrupto ao informante que grampeia o telefone de artistas para extorquir dinheiro.

¿ Todos os personagens relevantes da segurança pública aparecem de maneira reveladora ¿ diz Soares. ¿ Nenhum personagem é real, mas eles contêm traços de outros. Todos os episódios são vividos, mas vividos por diferentes personagens, em momentos diferentes.

Segundo o antropólogo, trata-se de uma ficção que dialoga com a experiência real:

¿ O léxico, ou seja, os fatos isolados, as experiências, os gestos, é real. Mas a sintaxe, a combinação entre os fatos, os atos e os gestos, é ficcional. Isso para que não haja qualquer possibilidade de identificação de locais, personagens e momentos históricos.

Ao comentar ontem o livro, o coronel Paulo César Amendola de Souza, criador e primeiro integrante do Núcleo de Operações Especiais da PM (Nucoe), origem do Bope, afirmou que, ao contrário da ideologia de polícia treinada para matar, o objetivo da tropa de elite é resgatar vidas:

¿ Fico triste em pensar que possam ser verdadeiros os cantos de guerra descritos no livro. Uma polícia de elite não existe para matar ou torturar, mas para atuar de forma pontual e inteligente, como aconteceu no caso da morte do traficante Bem-Te-Vi ¿ afirma.

Sobre a denúncia de que a política determina as ações do Bope, Amendola diz que ela sempre interferiu nas decisões das polícias do Rio:

¿ Infelizmente, a decisão política prepondera equivocadamente sobre a técnica. Essa pressão por resultados por vezes leva a operações desastrosas, pondo em risco a vida de policiais e pessoas inocentes.

Coronel: tropa numerosa dificulta controle

Amendola atribui os desvios de conduta à transformação do núcleo em batalhão.

¿ Aumentando para 450 homens a tropa de elite, não há como manter o mesmo grau de exigência. Acaba saindo do controle. Na minha época, lembro que para ser aceito para treinamento numa tropa de elite o policial não poderia ter anotações em sua ficha. O próprio capitão André Batista, um dos autores do livro, não poderia estar no Bope, uma vez que ficou 30 dias preso, acusado de tentar achacar o traficante Barbosinha.

Batista se defende e diz que o conselho de justificação, após investigar o caso, concluiu que não houve qualquer crime e o inocentou por seis votos a zero.

Na tarde de ontem, boatos de que, por causa do livro, Batista teria sido preso ao se apresentar ao comando geral da polícia chegaram a deixar amigos e parentes do oficial apreensivos. O relações-públicas da PM, tenente-coronel Aristeu Leonardo, negou que o policial tivesse sofrido qualquer tipo de repreensão.

¿ O comando só vai se pronunciar sobre o assunto após o lançamento do livro.

Também ontem, o uso do carro blindado do Bope, conhecido como Caveirão, foi discutido no quartel da unidade, em Laranjeiras. Cem líderes comunitários e representantes de ONGs participaram da reunião com o comandante da PM, coronel Hudson de Aguiar, e o comandante do Bope, tenente-coronel Mário Sérgio Duarte. Eles reivindicaram uma atuação menos violenta dos policiais e boa parte pediu o fim do Caveirão. Segundo participantes, o uso do veículo foi defendido pela polícia como forma de proteger policiais e moradores.

¿ O comandante da PM disse que o Caveirão protege os policiais e que não há vítimas dele, mas não é verdade. Temos registrados dois casos de morte e um de ferimento grave em crianças nas comunidades durante operações com uso do Caveirão ¿ disse o presidente da Rede e Movimento Contra Violência nas Comunidades, Maurício Campos.

Segundo Maurício, essas vítimas seriam uma adolescente de 13 anos, morta no Caju, um menino de 11, morto na Vila dos Pinheiros, e uma criança de 3 baleada em Manguinhos. O Bope não teria admitido culpa em nenhum dos casos.