Título: Água fria
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 28/04/2006, Economia, p. 30

A ata do Copom foi uma espécie de copo de água fria. Não chegou a ser um balde. O mercado financeiro ficou dividido ontem: uma parte interpretou a ata como sinal de que, já na próxima reunião, os juros cairão num percentual menor, outros acharam que só na reunião de julho a ¿parcimônia¿ vai aparecer. A grande má notícia embutida é que, quando os juros pararem de cair, eles continuarão sendo altos.

O Banco Central avisou algumas coisas na ata:

Já baixou 3,75 pontos e o efeito da queda continuará acontecendo no futuro. Boa parte deste efeito ainda está para acontecer. Usou uma palavra-chave: equilíbrio. Segundo o texto, o país está agora mais perto da taxa de juros de equilíbrio. Isso foi entendido como um aviso de que vai mais devagar com o andor.

Depois foi ainda mais explícito, quando falou em ¿parcimônia¿: ¿A flexibilização adicional da política monetária será conduzida com mais parcimônia.¿

O cenário de curto prazo é muito bom, mas o de médio prazo tem mais incertezas agora do que na reunião anterior.

Há algumas preocupações concretas no horizonte: alta do petróleo, salário mínimo e ¿impulsos fiscais¿, segundo a ata.

O Banco Central não faz críticas diretas à política fiscal expansionista, ou seja, ao aumento dos gastos. Acha que isso pode reacender o conflito com o Ministério da Fazenda, agora sob nova direção. Então encontrou este eufemismo: impulsos fiscais.

O costumeiro jogo de palavras do BC traz uma má notícia: os juros vão cair mais devagar e não durante muito tempo mais. E, se isso acontecer de fato, vão parar de cair ainda em um nível muito alto. Nada ameaça o nosso triste campeonato de maior juros do mundo.

Poderia ser diferente? Poderia sim, porque a inflação está baixa. Os índices gerais de preços estão com deflação, os preços por atacado na área agrícola estão com queda de mais de 13% nos últimos 12 meses. O país está crescendo pouco, menos que o mundo e que os vizinhos.

Crescimento baixo e inflação caindo normalmente são razões para queda dos juros. Mesmo assim, o BC avisa que o país está perto da taxa de equilíbrio. Assim tão alto, só pode ser o equilíbrio do equilibrista acostumado com as alturas.

Todos estes pontos da ata fizeram com que boa parte do mercado, que esperava uma queda de 0,75 ponto na próxima reunião, em maio, revisse seus números para o mês que vem e para o fim de 2006. A reação foi a alta dos juros futuros.

O que alguns analistas acreditam é que o Banco Central deixou passar o melhor momento para fazer uma queda nada parcimoniosa dos juros. Foi descendo a taxa devagar demais. Entre a reunião de março e abril, as commodities metálicas subiram 25%; o petróleo, 18%. A instabilidade mundial do petróleo, aliás, pode derrubar a certeza de que não haveria aumento de gasolina este ano. O aumento pode até não ocorrer, mas, se o petróleo continuar alto assim, só sobrarão motivos políticos para não subir a gasolina. Hoje já é difícil entender como o querosene de aviação sobe a cada 15 dias e a gasolina ao consumidor permanece parada. Só pode ser sinal de que o preço com mais visibilidade não muda em ano eleitoral.

A questão fiscal é uma preocupação que aumentou desde a última reunião. Os bons números de março não tranqüilizam ninguém que acompanha com atenção os dados das despesas públicas. É que o superávit foi conseguido não com queda de despesa, mas com aumento dos dividendos pagos pelas empresas estatais ao seu controlador, o Tesouro Nacional. Mas lucro não é arrecadação: hoje dá; amanhã não dá.

O cenário internacional está mais incerto. Ontem os juros da China subiram um pouco. Alta pequena, mas que surpreendeu. A economia americana cresce, mas ameaçada pela alta dos preços dos combustíveis e seus efeitos na inflação. Uma guerra com o Irã é um cenário assustador, até porque a conjuntura mundial ficará imprevisível.

Mesmo assim, o ritmo de queda dos juros pode continuar, a curto prazo, como o previsto anteriormente: na reunião de 31 de maio, os juros cairiam 0,75 ponto percentual; nas de julho e agosto, cairiam menos, 0,5 p.p. Aí o país chegaria à eleição presidencial com os juros em 14%: um nível alto em qualquer país do mundo, mas que dá ao presidente Lula o conforto de dizer que é a menor taxa do Brasil em muitas décadas. Ele poderá até, para o espinhoso tema da taxa de juros, arriscar mais uma da infindável série: ¿nunca antes na História desse país.¿ Mas o fato concreto é que são juros ainda altos demais, que inibem o investimento, arruínam as contas públicas e nos tornam um país mais inseguro.

Olhando pela perspectiva do Banco Central, ele pode comemorar se o cenário se confirmar: entregará o país crescendo; com inflação baixa, na meta; os juros num nível baixo para a nossa História.

Mas a ata de ontem confundiu um pouco quanto aos próximos passos do BC. Pela evolução da inflação, espaço para queda tem. O IPCA-15 divulgado esta semana foi de apenas 0,17%. Menos do que o esperado.