Título: O que a teoria freudiana deve ainda explicar
Autor: Marcia Cezimbra
Fonte: O Globo, 29/04/2006, Prosa & Verso, p. 1

Diálogo com a neurociência e com novas técnicas terapêuticas pode expandir as descobertas do pensador

Para a psicanalista Marcia Neder Bacha, professora da UFMS e da PUC-SP, a psicanálise hoje não se volta mais para as questões edípicas justamente porque os Édipos estão dando lugar aos Narcisos:

¿ Narciso, esta perfeição que papai e mamãe projetam no seu bebê, tornando-o um soberano imperador, está levando a melhor. Mas não concordo que a psicanálise tenha se voltado para a capacidade de amar. O ser humano não é essa pureza que só ama, conforme Freud nos mostrou, e o mundo à nossa volta o confirma a cada minuto.

Para os psicanalistas, pouco importa se a psicanálise vai dar conta de todo esse narcisismo:

¿ Só um tolo acreditaria que Freud explica tudo. Ele nunca pensou assim. Mas o homem, sujeito psíquico, reserva em sua cultura um lugar para a psicanálise. É apenas isto, um espaço de subjetivação e historicização, que a psicanálise pretende ser ¿ observa José Outeiral.

Para Outeiral, a psicanálise hoje ultrapassou a questão do tratamento psicanalítico e é ¿aplicada¿ em hospitais e escolas, contribuindo na compreensão da violência. Além de invadir a vida cotidiana, a psicanálise dialoga com diferentes áreas de pesquisas como a neurociência e com outras formas de abordagens terapêuticas. Benílton Bezerra Jr. acha curioso que, quanto mais as pesquisas com neuroimagens descobrem novidades sobre o funcionamento do cérebro, mais se percebe a acuidade das observações freudianas sobre aspectos da vida psíquica, como a amnésia infantil, a memória não-verbal, a vinculação dos sonhos a desejos.

O que há de mais interessante, na opinião de Benílton, é o diálogo entre psicanalistas e neurobiologistas, budismo, psicologia do desenvolvimento e a teoria ecológica do self:

¿ Estas disciplinas colocam interrogações interessantíssimas à psicanálise. Um exemplo são as investigações sobre o universo perceptual e de ação dos recém-nascidos, que têm revolucionado nosso entendimento do processo de constituição da subjetividade.

Apesar de resistências históricas a novidades que ultrapassem as fronteiras de Freud, os psicanalistas hoje parecem abertos ao diálogo.

¿ No mundo que busca resultados rápidos, mesmo superficiais, muitas terapias têm seu lugar. A sociedade de consumo acredita que sempre será possível comprar uma pílula da felicidade. Como metilfenidato ou Ritalina para crianças e adolescentes que sofrem de falta de atenção sim, mas não em seus cérebros. É déficit de atenção e afeto de seus pais e do mundo adulto ¿ afirma Outeiral.

Esta receptividade é uma boa notícia para psicólogos como Edy Maria Oliveira, presidente do Instituto Brasileiro de Hipnoterapia. Com base nas pesquisas de neurocientistas como Antonio Damasio e Joseph Ledoux, ela adota técnicas de hipnose para relaxar o consciente e acessar mais rapidamente as emoções:

¿ Sem esta técnica o paciente levará anos para entrar em contato com registros inconscientes. É bom saber que psicanalistas querem dialogar com as experiências do século XXI.