Título: FILA ÚNICA
Autor: Jaime Biaggio e Rodrigo Fonseca
Fonte: O Globo, 29/04/2006, Segundo Caderno, p. 1

Classe cinematográfica nacional briga para renovar a Lei do Audiovisual

Vence em dezembro o prazo de validade do mecanismo de fomento a quem o cinema brasileiro deve um ¿muito obrigado¿ por sua retomada após a dissolução da Embrafilme, em 1990: o Artigo 1º da Lei do Audiovisual. Neste momento, um coro de cineastas e produtores se forma em apoio ao projeto do senador Sérgio Cabral Filho (PMDB-RJ). Presidente da Subcomissão de Cinema, Teatro e Comunicação Social do Senado, Cabral luta pela prorrogação, até 2016, do dispositivo que viabiliza a dedução de parte do imposto de renda devido e sua aplicação na produção de obras audiovisuais.

¿ É a alavanca do cinema ¿ resume o senador.

O projeto de Cabral Filho foi aprovado em duas comissões do Senado (Assuntos Econômicos e Educação), na segunda delas em caráter definitivo, o que permitiria que fosse remetido imediatamente para a apreciação da Câmara dos Deputados. Sendo aprovado lá, sem alterações, ele iria para a sanção do presidente Lula. Contudo, no último dia do prazo para que algum senador solicitasse que o projeto passasse por discussão pública no plenário da casa, esse pedido foi feito, pela senadora Ana Júlia (PT-PA). Não foi uma iniciativa pessoal dela, mas uma decisão tomada em conjunto por nove parlamentares do partido, seguindo orientação do governo.

¿ A idéia é discutir o projeto melhor ¿ explica um assessor dos líderes do PT no Senado. ¿ Não há intenção de embarreirar nada. Como se trata de uma questão polêmica, envolve isenção fiscal, a Fazenda quer que seja muito bem discutida.

Sérgio Cabral Filho teme que os prováveis dez a 15 dias de atraso gerados pelo pedido façam diferença a médio prazo.

¿ Nosso medo é que não se vote com ligeireza e a estrutura de produção cinematográfica seja comprometida ¿ diz ele, que esta semana se reuniu com representantes do setor, como o produtor Luiz Carlos Barreto e o diretor Roberto Farias, e esteve na quarta-feira com o presidente do Senado, Renan Calheiros, solicitando que o projeto seja incluído logo na pauta de votação.

A renovação proposta pelo senador tem aquietado ânimos.

¿ Se não se prorrogar a lei, é a falência do cinema. Ela deve ser prorrogada até 3016 ¿ exagera Luiz Alberto Pereira, um dos cineastas que lutaram pela sua criação.

Na próxima sexta, Pereira estréia ¿Tapete vermelho¿, comédia sobre a extinção das salas de cinema de rua. Dos R$2,9 milhões gastos no projeto, estrelado por Matheus Nachtergaele, R$1,7 milhão foram captados graças à Lei do Audiovisual.

¿ Muita gente mete o pau na lei. Mas a maioria que reclama fez filme com ela ¿ diz Pereira. ¿ A lei não deve ser o único mecanismo de fomento. Editais e os concursos são imprescindíveis. Mas, se ela acabar, em poucos meses um outro mecanismo similar vai ter de aparecer.

Na prática, existe cinema sem a lei. Não blockbusters. O gaúcho ¿A festa de Margarette¿, de Renato Falcão, lançado ontem no Rio, só contou com a Lei de Incentivo do Rio Grande do Sul e com recursos próprios. Mas é caso raro. ¿Achados e perdidos¿, também lançado ontem, é uma produção barata, mas dependeu da lei para existir. Nas contas de seu diretor, José Joffily, cerca de R$380 mil do orçamento de R$2,3 milhões foram captados pelo Artigo 1º.

¿ A lei é vital. Mas poderia se desburocratizar. Eu passo 90% do meu tempo como produtor cuidando da burocracia gerada pela administração e prestação de contas dos recursos captados.

Adicional de renda como alternativa

A reclamação de Joffily é recorrente no meio cinematográfico. O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Orlando Senna, vê na renovação a chance de se corrigir transtornos assim:

¿ Melhorias estão sendo demandadas pelo setor e analisadas pelo governo, como o acesso das empresas produtoras de televisão aos benefícios do Artigo 3º, que permite a distribuidoras internacionais aplicar na produção de filmes nacionais parte do Imposto de Renda sobre a remessa de royalties ao exterior.

Produtor de dois longas previstos para estrear este ano, ¿Sonhos e desejos¿, de Marcelo Santiago, e ¿O corpo¿, do filho Fábio Barreto, Luiz Carlos Barreto sugere que não se façam modificações na lei agora.

¿ A prática da lei não gerou vícios nem deformações. Ela foi o grande fator de diversificação, democratização e regionalização da produção cinematográfica. Os pólos de produção estão aí vivos: Rio Grande do Sul, Minas, Ceará e Pernambuco, além de Rio e São Paulo.

Distribuidor dos dois maiores sucessos do país nos anos 2000, ¿2 filhos de Francisco¿ e ¿Carandiru¿, Rodrigo Saturnino Braga, diretor-geral da Columbia TriStar/Buena Vista, diz que a lei do Audiovisual não deve ser culpada por entraves produtivos:

¿ Os problemas da produção existem apesar dela e não por causa dela. Sem a lei o Brasil não produziria mais do que dez filmes por ano. Basta ver o que acontece no México, um mercado bem maior cuja produção não supera 15 filmes por ano.

Leonardo Monteiro de Barros, diretor-executivo da Conspiração Filmes, produtora de ¿2 filhos de Francisco¿, acha inevitável a participação da lei na economia do cinema.

¿ Não é possível se falar em auto-sustentabilidade quando ocupamos apenas 15% de nosso próprio mercado, o qual representa apenas 1% do mercado mundial, e este, por sua vez, é 85% dominado por filmes de apenas um país!

Roberto Farias, de ¿O assalto ao trem pagador¿, atesta a essencialidade da Lei do Audiovisual, mas sugere a criação de alternativas ¿que ofereçam ao produtor independente plena independência para escolher e realizar filmes sem depender da opinião de outros¿.

¿ É importante criar um adicional de renda que eleve o mercado interno a níveis que permitam o investimento da iniciativa privada na produção. Uma forma de produção onde o produtor independente invista seus próprios recursos para realizar os filmes e receba os incentivos posteriormente, segundo seu desempenho na bilheteria. No universo de recursos hoje disponíveis para a produção, esse adicional seria proporcionalmente muito barato e garantiria a liberdade de expressão. Os únicos a quem o produtor independente teria de agradar seriam o público e a ele mesmo. Os custos dos filmes baixariam, e o produtor independente se livraria da burocracia.