Título: Faltando um ponto
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 29/04/2006, O GLOBO, p. 2

Lula e o PT fizeram ontem a encenação planejada. O partido pediu que ele seja candidato, ele seguirá dizendo, até junho, que ainda não decidiu. Do Encontro Nacional deste fim de semana sairá a orientação sobre alianças e as linhas de um programa de governo mas até ontem não se tinha notícia de uma diretriz sobre o calcanhar-de-aquiles do PT, o tombo ético.

A estratégia de realçar os feitos econômicos e sociais e de comparar resultados do período Lula com os do governo FH está clara. Foi reiterada ontem pelo presidente e por seu ministro Tarso Genro, ao dizer que esta não será ¿apenas uma campanha sobre ética pública¿.

¿ Vai ser uma campanha sobre o futuro do país. Vamos fazer uma comparação milimétrica em todos os aspectos com o governo FHC ¿ disse o ministro.

Campanhas não podem mesmo ser reduzidas ao udeno-lacerdismo das acusações. Devem propiciar o debate de propostas para os problemas do país para que o eleitorado escolha a que lhe parecer melhor e mais viável. O próprio candidato da oposição, Geraldo Alckmin, tem moderado seus ataques nesta área e tratado de ser alternativa de melhor governança. Garotinho, bastante alvejado nos últimos dias, é que está tentando devolver o chumbo.

Se o governo fosse percebido apenas pelos escândalos do valerioduto e do mensalão, Lula não teria os índices que tem nas pesquisas, principalmente entre os mais pobres. Mas esperar que a questão ética possa ser inteiramente suplantada pela comparação de resultados é um equívoco. É no mínimo subestimar o papel da classe média, que tem sido com freqüência o pêndulo das eleições brasileiras.

Há setores no PT favoráveis a enfrentamento do problema com toda a franqueza. Mas isso pressupõe admitir, na campanha, que a antiga direção rasgou os compromissos reformadores do partido para conservar o poder, montando um esquema financeiro condenável para aliciar partidos e parlamentares. Isso exigiria, por sua vez, a condenação pública dos responsáveis. Mas esta disposição é da minoria e não encontra eco. Pelo contrário, aí está Dirceu agindo politicamente, ainda que os mais próximos do presidente assegurem que não age por orientação dele. Deste encontro saiu a aclamação de Lula, pode sair a política de alianças e as linhas do programa de governo, com ênfase no crescimento e na distribuição de renda. Mas se dele não sair uma proposta de enfrentamento da questão ética, o PT estará enfiando a cabeça na areia como avestruz. Reeleger Lula mas sair das urnas encolhido, dependente do balcão fisiológico para governar, é receita de crise.

Corda esticada

Os tucanos estão assustados com a agressividade do prefeito Cesar Maia. Ontem em seu ex-blog ele fez uma análise crítica da situação, defendendo uma aliança como a ¿concertación¿ chilena, orgânica e programática. Para isso, o PSDB terá que respeitar a hegemonia do PFL nos estados em que este é dominante. Só assim cada partido elegerá o máximo de deputados para sustentar o eventual futuro governo. Se a aliança se resumir à composição da chapa, com o PFL dando o vice e depois ganhando ministérios, será ¿política velha de cooptação¿.

Rodrigo Maia, líder do PFL na Câmara, acrescenta: se a aliança for fechada deixando pefelistas insatisfeitos nos estados, será nociva para o próprio candidato a presidente. O deputado que se sentir atropelado vai cruzar os braços. Numa campanha presidencial, eles puxam votos.

¿ Não basta resolvermos só os problemas da Bahia, Sergipe e Maranhão. Como líder eu preciso ver todos os deputados em situação confortável: o Moroni Torgan no Ceará, o Lorenzoni no Rio Grande do Sul, o Caiado em Goiás....

A lista é imensa.

Outro Maia, José Agripino, diz entretanto que a tensão maior já passou. Mas os tucanos vão ter que agüentá-la, com altos e baixos, até o final de maio.

O PT do Rio e o Senado

Na semana passada o PT do Rio descartou a entrega da candidatura a senador à ex-governadora Benedita. Candidato a governador, Vladimir Palmeira vai usá-la para atrair aliados.

Uma ala do partido trabalha para que a vaga seja oferecida ao PCdoB, aliado histórico que já lançou a candidatura de Jandira Feghali. Uma outra ala sonha com uma dobradinha com Miro Teixeira, que teria a torcida do próprio Lula. Problema é o PDT de Lupi, que não admitiria a aliança (e ainda pode ter candidato próprio a presidente).

Agora estão surgindo duas novidades. Alguns petistas defendem uma aliança com o deputado Francisco Dornelles, candidato ao Senado pelo PP. Problemas: ex-ministro de FH e conservador, o que alguns acham pode ajudar a vencer resistências ao PT no interior. Vantagem: é nacionalista e tem laços familiares com o trabalhismo. Um outro grupo ainda prefere o apoio ao deputado Alexandre Cardoso, do PSB, que tem boa penetração na Baixada Fluminense. Uma boa encruzilhada.