Título: AGITAÇÃO POLÍTICA
Autor: D. EUGENIO SALES
Fonte: O Globo, 29/04/2006, Opinião, p. 7

Avida política, nos últimos meses, tem sido marcada por uma profunda agitação, principalmente no plano partidário, com repercussão em todas as camadas sociais. Os candidatos a cargos eletivos e os eleitores se questionam sobre as soluções.

A 24 de novembro de 2002, foi divulgada a ¿nota doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e ao comportamento dos católicos na vida política¿, assinada pelo então prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Bento XVI. O Pontífice de então, João Paulo II, mandou que fosse a mesma publicada. O documento era dirigido aos bispos da Igreja Católica e, de modo especial, aos políticos e todos os fiéis leigos.

Nesta oportunidade, lembro que o novo ¿Catecismo da Igreja Católica¿ contém preciosos ensinamentos de especial relevância para o atual momento político nacional, ao tratar dos ¿deveres dos cidadãos¿ (nn 2.238ss). Desde a Igreja primitiva os cristãos participavam da ação política. No século III a Carta a Diogneto se refere a essa preocupação por parte dos fiéis. A atuação de Tómas Moro, morto em 1525, mereceu do Papa João Paulo II uma Carta Apostólica e a proclamação desse cristão exemplar como padroeiro dos governantes e dos políticos. Apesar das pressões, este eminente homem público se negou a abandonar a constante fidelidade à autoridade civil, mas afirmou, com a sua vida e com a sua morte, que o ¿homem não pode separar-se de Deus nem a política afastar-se da moral¿. O Concílio Vaticano II, na constituição ¿Gaudium et Spes¿ (nº 76), aborda a relação entre a comunidade política e a Igreja: ¿Claramente se distingue entre as atividades que os fiéis, isoladamente ou em grupos, guiados pela consciência cristã, executam como cidadãos, e os atos que realizam em nome da Igreja, juntamente com os pastores.¿

Esta nota doutrinal, que ora comento, não tem por objetivo tornar a propor o inteiro ensinamento da Igreja sobre a matéria, mas recordar alguns aspectos particularmente oportunos. Diz a nota: ¿Nestes últimos tempos, não raras vezes sob a pressão dos acontecimentos, apareceram orientações ambíguas e posições discutíveis, que tornam oportuna a clarificação de aspectos e dimensões importantes da temática em questão¿ (nº 1).

O Papa Bento XVI, desde o início de seu pontificado, tem alertado repetidas vezes para a gravidade do relativismo na matéria que ora tratamos e que se faz presente também na ética e nos princípios da lei moral. Alguns reivindicam para suas escolhas a mais completa autonomia. Outros legisladores julgam respeitar essa liberdade de escolha, quando formulam leis que prescindem dos princípios da ética natural, deixando-se levar exclusivamente pela condescendência com certas orientações culturais ou morais transitórias.

A legítima pluralidade de opções temporais mantém íntegra a matriz donde promana o empenho dos católicos na política e vincula-se diretamente à doutrina moral e social cristã. É com um tal ensinamento que os leigos católicos têm de confrontar-se constantemente, para poder ter a certeza de que a própria participação na vida política é pautada por uma coerente responsabilidade diante das realidades temporais (nº 3).

A seguir, o documento trata da defesa da vida, da tutela do embrião e da promoção da família, da liberdade religiosa, da economia e da dignidade da pessoa humana.

Atribui-se a Tómas Moro a frase acima citada: ¿O homem não pode se separar de Deus nem a política da moral.¿ A agitação na vida política nacional deve mover os homens de boa vontade a utilizá-la de modo a dela tirar frutos para o bem do país. Isso será possível mediante profunda modificação nos costumes eleitorais e na vida parlamentar. Para tanto, esses tópicos da ¿nota doutrinal¿ que trago, são úteis e necessária sua aplicação, independentemente do credo religioso. Este documento é muito claro: intervindo nesta matéria, o magistério da Igreja não pretende exercer um poder político nem eliminar a liberdade de opinião dos católicos em questões contingentes. Entende, ao invés ¿ como é sua função própria ¿ instruir e iluminar a consciência dos fiéis, sobretudo dos que se dedicam à participação na vida política, para que o seu operar esteja sempre a serviço da promoção integral da pessoa e do bem comum.

Nos últimos meses somos testemunhas de uma grave agitação político-partidária com sérias conseqüências para a vida nacional. Uma lição fica e há de ser devidamente aproveitada. À margem de qualquer partidarismo, o bem comum faz exigências que devem ser atendidas.

Confiemos na bondade divina, pedindo sua ajuda e demos nossa contribuição pela coragem em agir conforme nossa consciência cristã.

D. EUGENIO SALES é cardeal-arcebispo emérito da arquidiocese do Rio.

O bem comum faz exigências que devem ser atendidas