Título: Autor de livro teria sido humilhado
Autor: Fernanda Pontes
Fonte: O Globo, 29/04/2006, Rio, p. 16

Segundo antropólogo, capitão foi chamado de traidor. Corporação nega

Um dos autores do livro ¿Elite da tropa¿, o capitão da PM André Batista foi humilhado, ameaçado de prisão e considerado um traidor pelo comando da corporação, segundo o antropólogo e co-autor Luiz Eduardo Soares. O livro relata em forma de ficção a rotina de policiais do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), envolvidos em execuções, torturas e seqüestros. Ontem, o relações-públicas da PM, tenente-coronel Aristeu Leonardo, afirmou que o comando não tomou qualquer atitude contra o autor e classificou de mentirosas as declarações de Luiz Eduardo.

André, ex-integrante do Bope, teria sido submetido a uma situação vexatória diante de mais de cem colegas da corporação, por mais de uma hora, na sede do comando geral da PM. De acordo com Luiz Eduardo, ele foi também proibido de falar sobre ¿Elite da tropa¿ à imprensa.

¿ O André foi exposto num ritual de humilhação como um inimigo da PM. Foi acusado ter se aliado a um traidor que, no caso, sou eu. Ele está com muito medo de falar, ser preso e sofrer represálias. O advogado Técio Lins e Silva já se ofereceu para ajudá-lo sem cobrar nada por isso ¿ disse Luiz Eduardo.

Corregedoria vai analisar o livro

De acordo com o tenente-coronel Aristeu Leonardo, o capitão André ¿ainda não sofreu nenhuma punição¿. Ele disse ainda que o comandante do Bope não se pronunciará sobre o livro até sua publicação (a obra estará nas lojas a partir do dia 8). Já o comandante da PM, o coronel Hudson Aguiar, afirmou que o livro será analisado pela corregedoria:

¿ O capitão André vai continuar trabalhando normalmente. Eu não fiz e nem determinei que fizessem nada contra ele. Também não o proibi de dar entrevistas. A corregedoria vai analisar o livro, após o lançamento, e tomar as providências, caso seja necessário. Ainda nem temos acesso ao conteúdo do livro.

Antes mesmo do lançamento, o livro da editora Objetiva, que também foi escrito pelo PM reformado Rodrigo Pimentel, já causa polêmica. O presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil (Adepol), Wladimir Reale, afirmou que entrará com uma interpelação judicial contra os três autores da obra.

¿ Recebi vários telefonemas de ex-chefes de Polícia hoje (ontem), indignados com o livro. As acusações são gravíssimas. Não se pode fazer declarações desse tipo sem provas. Temos que saber se há fundamento nessas declarações ou se é apenas pirotecnia do Luiz Eduardo.

O coronel José Vicente, ex-secretário nacional de Segurança, acredita que o problema do Bope é o excesso de violência:

¿ As descrições embrulharam meu estômago. Polícia não combina com política. O Bope tem liberdade e usa isso de forma ilegal.

Pesquisador da ONG Justiça Global, Marcelo Freixo não poupa críticas aos métodos de treinamento e atuação adotados pelo Bope.

¿ O Bope é uma tropa treinada para matar. Prova disso são as músicas cantadas durante os treinamento. As letras defendem claramente a agressão como forma de tratamento dos moradores de favelas.

Com relação ao livro, Marcelo acredita que André acabará sofrendo represálias da PM por ser um dos autores, como aconteceu com Rodrigo Pimentel, ex-oficial do Bope.

¿ A instituição não está acostumada a críticas, principalmente internas. É lamentável, mas acredito que André também acabará perseguido, punido e, como Pimentel, será levado a deixar a PM.

Para Rubem César Fernandes, do Viva Rio, o Bope é uma unidade de grande importância, mas está sendo muito utilizado:

¿ O Bope foi concebido para atuar em momentos especiais, mas corre o risco de se envolver em operações banais. Isso desgasta os policiais e a imagem deles nas favelas. Sobre o livro, as informações são graves e prefiro não opinar agora.

A antropóloga Alba Zaluar teme que a imagem da polícia fique ainda mais prejudicada:

¿ Eu acho muito importante falar sobre o assunto. Mas tenho medo que o problema seja generalizado. O que se espera agora é que seja feita uma investigação para que os culpados sejam punidos.

COLABORARAM: Ana Cláudia Costa e Sérgio Ramalho