Título: FRANGO PIRATA À CHINESA
Autor: Vivian Oswald e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 29/04/2006, Economia, p. 27

Carga apreendida na UE escondia ave da China em embalagens brasileiras

As autoridades do Porto de Antuérpia, na Bélgica, o segundo maior do mundo, apreenderam há algumas semanas um carregamento de frangos piratas. Registrados como se estivessem transportando feijão verde congelado, três contêineres de procedência da China escondiam, na verdade, dezenas de caixas contendo seis frangos de 1,5 quilo cada. E o mais curioso: as embalagens imitavam aquelas usadas pela exportadora brasileira Seara.

O que despertou as suspeitas de que os produtos eram falsos e não procediam do Brasil foram detalhes dos próprios invólucros. Em um dos contêineres, as embalagens não tinham datas de produção e validade. Nos outros dois, apesar de haver as datas de produção, validade e embarque, esta última era tão próxima da primeira que seria fisicamente impossível o frango ter saído do Brasil e ido até a China para ser reembarcado para a Europa.

Os dados da exportação fraudulenta foram repassados ao governo brasileiro, assim como uma cópia das embalagens usadas pelos chineses e um CD-ROM com as imagens dos contêineres. O caso está sendo informado à empresa brasileira, segundo o Itamaraty. A Seara disse que ainda não foi oficialmente informada.

Em menos de um ano, esta é a segunda vez que isso acontece com os frangos brasileiros, considerados no mercado internacional uma grife de qualidade. Em maio de 2005, foram identificados no Porto da Eslovênia contêineres supostamente com brócolis congelados, mas que nada mais eram do que frangos piratas em embalagens falsificadas da Seara.

Fraudadores trocam luxo por alimentos

O carregamento interceptado pelos agentes da aduana belga representa uma tripla fraude. A primeira se refere ao fato de os produtos declarados não corresponderem ao conteúdo transportado. A segunda é o fato de a China não poder exportar frangos para a Europa, em função dos embargos determinados pelas autoridades sanitárias européias para conter os riscos de contaminação por gripe aviária. Numa infração não menos importante, a marca brasileira foi falsificada e incluída em um carregamento fraudulento.

Segundo Christophe Zimmermann, especialista em pirataria e responsável pelo tema na Organização Mundial das Aduanas (OMA), com sede em Bruxelas, os produtos alimentícios estão atraindo o interesse dos fraudadores. Segundo ele, é cada vez menor a falsificação de artigos de luxo. Em 2004, estas mercadorias não passaram de 1% das interceptações em aduanas de portos e aeroportos europeus.

¿ As organizações criminosas internacionais substituem os produtos de grande valor agregado por quantidade. Como o controle em cima das marcas de luxo está cada vez mais forte, vale mais a pena falsificar cem mil frangos do que cem bolsas Louis Vuitton. São cada vez mais freqüentes as falsificações de produtos alimentícios e medicamentos, entre outros ¿ diz Zimmermann.

Dados da OMA mostram que somente na Europa foram apreendidos 5,5 milhões de objetos de baixo valor agregado em 2004. Um aumento de 200% em comparação com os números de 2003. Na lista dos produtos estão maçãs, geléias de frutas, mel, sopas e até água mineral.

¿ O agente aduaneiro vai desconfiar se às 3h passarem por ele bolsas ou sapatos de grandes marcas, mas não centenas de garrafas de água mineral. É por isso que os falsificadores têm apelado para outros produtos ¿ afirma.

No que diz respeito a medicamentos, segundo Zimmermann, o problema é ainda mais grave:

¿ Cerca de 50% dos medicamentos vendidos pela internet são falsos. E há três tipos de fraudes: produtos com menor quantidade de princípio ativo, medicamentos sem o princípio ativo anunciado ou acrescidos de substâncias perigosas à saúde humana.

O secretário-executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria, Márcio Gonçalves, não se surpreendeu com a apreensão do carregamento de frangos em Antuérpia. Segundo ele, o Brasil é vítima da pirataria e do registro indevido de marcas brasileiras no mercado internacional em diversas áreas: sandálias Havaianas, sapatos Melissa, chuveiros da marca Lorenzetti, baralho Copag e artigos esportivos, como camisas de futebol.

¿ É comum vermos marcas consagradas do Brasil serem falsificadas ¿ disse Gonçalves.

Ele informou que cabe à empresa prejudicada iniciar um processo no país em questão, para que seja aberta uma investigação local sobre a existência de fábricas que estariam usando indevidamente a marca. E o governo não descartou a possibilidade de empresários chineses estarem exportando frango como se fosse do Brasil para fugir das restrições impostas a seu produto.

(*) Especial para o GLOBO