Título: INTERPRETANDO O INIMIGO
Autor:
Fonte: O Globo, 29/04/2006, O Mundo, p. 32

É óbvio que todos os conflitos um dia acabam. Mas como resolver um confronto com um adversário que parece não ser capaz ou não ter vontade de negociar um acordo? Este é um problema comum nas batalhas do Ocidente com o Islã militante.

O exemplo mais urgente é a atitude do Irã para se tornar uma potência nuclear. Os EUA e seus aliados ainda falam como se fosse possível impedir o programa nuclear iraniano, evitando uma guerra, por meio de uma combinação de sanções e negociações diplomáticas. Mas os iranianos seguem adiante, o que parece óbvio, e os mulás governantes agem desdenhando as ameaças e tentativas de persuasão do Ocidente.

A atitude implacável do Irã pode ter sido a mais importante lição em três anos de ¿negociações¿ sobre seu programa nuclear realizadas por três nações européias: França, Grã-Bretanha e Alemanha. Na verdade, diz um alto funcionário francês, não foi realmente uma negociação:

¿ A UE (União Européia) falou e os iranianos responderam, mas nunca fizeram contrapropostas porque não concordaram com coisa alguma.

Analistas franceses acreditam que de forma semelhante os iranianos se recusaram a negociar durante sua longa e sangrenta guerra com o Iraque nos anos 80. Exaustos, os iraquianos se esforçaram para obter uma paz negociada, mas os iranianos a rejeitaram. Depois que EUA e França secretamente ajudaram Saddam Hussein, os iranianos finalmente aceitaram um cessar-fogo com mandato da ONU em agosto de 1988. Mas nunca houve um tratado de paz formal, e os iranianos se recusaram até a trocar prisioneiros.

Analistas acham que a relutância a negociar reflete em parte divisões dentro da elite iraniana. Certamente os centros de poder difusos no governo iraniano tornam difícil chegar a uma posição comum. Mas suspeito de que haja uma desconexão mais profunda: para um regime teocrático que se diz guiado por Deus, a própria idéia de compromisso é um anátema. Grandes questões sobre guerra e paz serão resolvidas pela vontade de Deus, e não por negociadores humanos. É melhor perder do que barganhar com o diabo. Antes o sofrimento físico do que a humilhação.

O Ocidente deposita suas esperanças na maturidade política de grupos muçulmanos radicais, imaginando que eles assumirão compromissos essenciais à vida política. Mas até agora há poucos sinais disso. O governo do Hamas ainda não reconhece a existência de Israel.

Uma palavra recorrente nas proclamações muçulmanas é ¿dignidade¿. Não se trata de uma exigência política. Na verdade, para grupos que se sentem vitimizados, a negociação com um adversário poderoso pode ser por si só humilhante.

A exigência muçulmana de respeito não é algo que possa ser negociado, mas isto não significa que o Ocidente não deva levá-la a sério. Porque quando o mundo muçulmano ganhar um senso maior de dignidade ao lidar com o Ocidente, a arma fundamental do Irã, da al-Qaeda e do Hamas vai perder muito de sua potência.

DAVID IGNATIUS é colunista do ¿Washington Post¿