Título: Greve de explicações
Autor: Aydano André Motta
Fonte: O Globo, 01/05/2006, O País, p. 3

Em vez de falar sobre irregularidades, Garotinho anuncia que, em protesto, ficará sem comer

Pressionado, pelos fatos, a falar sobre as irregularidades na arrecadação de recursos de campanha ¿ como revelaram reportagens do GLOBO ¿ e a respeito de viagens que fez no jatinho de um bandido preso ¿ divulgado pela revista ¿Veja¿ ¿ o pré-candidato do PMDB à Presidência Anthony Garotinho resolveu deixar os eleitores à míngua de explicações. Ontem à tarde, entregou-se a estratégia inusitada: num comunicado lido em tom solene na sede do PMDB fluminense, o ex-governador anunciou que está em greve de fome, como ¿último recurso em defesa da verdade que tem sido escamoteada do povo brasileiro¿.

O protesto terá como endereço a mesma sede peemedebista. Morador, como marido da governadora Rosinha Garotinho, do Palácio Laranjeiras, o candidato mudou-se para a sala da presidência regional do seu partido, no oitavo andar de um prédio na Avenida Almirante Barroso, Centro do Rio. Ficará abrigado num espaço de 15 metros quadrados, com frigobar (onde ontem só havia garrafas d¿água, que podem ser consumidas em greves de fome), TV de 29 polegadas, ar-condicionado, computador e sofá-cama de solteiro.

As reivindicações do grevista Garotinho são vagas. Ele pede ¿supervisão internacional no processo político-eleitoral brasileiro, assegurando a igualdade de tratamento a todos os candidatos¿; e que ¿os veículos de comunicação que nos caluniam cedam o mesmo espaço para que a população possa conhecer a verdade dos fatos¿.

Na rápida leitura da nota, o candidato não permitiu qualquer pergunta. Tampouco referiu-se às numerosas constatações de irregularidades que cercam a arrecadação de recursos de sua pré-campanha. Sobre o Cessna Citation PT-LFV do condenado João Arcanjo Ribeiro, o Comendador (preso e apontado como chefe do crime organizado em Mato Grosso), no qual viajou, Garotinho se defende no texto, dizendo que o avião ¿foi locado a uma empresa de táxi aéreo que opera a aeronave por decisão do administrador judicial designado pela Justiça Federal de Mato Grosso¿. Além disso, ele atacou as Organizações Globo, a ¿Veja¿, os banqueiros e o governo Lula.

Apesar da presença de vários correligionários e auxiliares, a solitária companhia do peemedebista à mesa, durante a leitura da nota, foi a mulher, governadora do Rio. Rosinha estava mais abatida que o marido e, na hora em que ele anunciou a greve de fome, ela abaixou a cabeça, como se iniciasse uma oração.

Família tentou impedir greve

Segundo interlocutores próximos do candidato, a decisão sobre a greve foi individual, tomada ontem, na hora do almoço (no cardápio da derradeira refeição, houve somente frutas). A família tentou demovê-lo, alguns assessores também, mas Garotinho se manteve irredutível. De acordo com esses auxiliares, ele desconfia que as denúncias estão partindo de setores do PMDB que não querem a candidatura própria, e admite ter remotas chances de ser escolhido pelo partido para participar da disputa eleitoral. A renúncia, entretanto, não é cogitada.

Após o anúncio da greve, Garotinho sentou-se num sofá estrategicamente ao lado de uma porta de vidro, ao alcance das câmeras. Abriu um livro ¿ ¿Maravilhosa graça¿, do religioso americano Philip Yancey ¿ que revezava com o texto ¿Meu amor pelo Brasil¿, de sua própria lavra. A leitura foi interrompida por Rosinha, que abraçou o marido e aninhou-se em seu peito. Os dois ficaram longo tempo de olhos fechados, até que os flashes dos fotógrafos parassem e as luzes das câmeras se apagassem.

Um médico acompanharia Garotinho noite adentro e a assessoria do candidato prometeu divulgação permanente do protesto na internet.