Título: LÓGICA PERVERSA
Autor: JORGE DARZE
Fonte: O Globo, 01/05/2006, Opinião, p. 7

Oprocesso genocida que compromete o sistema público de saúde do Rio de Janeiro tem vitimado a nossa população, principalmente os mais pobres. Está claro que a crise é política. Optou-se por secundarizar o dever constitucional de garantir saúde para todos em detrimento de outros projetos. Lamentavelmente, o médico, profissional que exerce sua função dando o melhor de si, na busca do alívio do sofrimento dos seus pacientes, é pouco lembrado.

A nossa responsabilidade, contudo, é crescente, não estando limitada à prescrição do tratamento. É justamente a partir desse momento que começa o nosso desafio, pois nos deparamos com a incapacidade do sistema, indo de encontro ao que estabelece o Código de Ética Médica. Em seu art. 5º, o Código dispõe sobre o dever do aprimoramento contínuo do conhecimento e o uso do melhor do progresso científico em benefício do paciente e o art. 3º, por sua vez, exige boas condições de trabalho e justa remuneração para o melhor desempenho profissional.

Atualmente, esse estatuto legal tem sido utilizado muito mais como instrumento de punição do que para garantir direitos. Essa lógica perversa precisa ser mudada. É preciso não conciliar com nada que viole o livre exercício da profissão e muito menos o direito à saúde do cidadão.

A partir do momento em que se decreta a calamidade pública no setor ¿ e é bom lembrar que não foi em decorrência da passagem de um furacão ou de uma tsunami ¿ revela-se a incompetência e a omissão do poder público em prover o que é necessário para o seu funcionamento efetivo.

Essa conclusão, aliás, tem sido muito utilizada nas diversas sentenças judiciais que objetivam corrigir as distorções existentes. A volta triunfal do mosquito da dengue nos faz constatar que nessa guerra é o povo quem leva desvantagem. Já não é mais possível ficar discutindo de quem é o Aedes aegypti. Na verdade, a responsabilidade deve ser compartilhada entre quem repassa os recursos e quem os recebe.

Não precisamos reinventar a roda para buscar as soluções. Bastaria cumprir o nosso texto legal, que é um dos mais avançados do planeta. O Rio de Janeiro, maior rede pública do país, precisa de um maestro para a sua orquestra, que deve manter os instrumentos afinados, tocando a mesma música. Aliás, este ano está propício para aposentarmos os músicos desafinados. Não podemos mais conviver com a falta de integração entre as três esferas de governo, embora mereça destaque a nova atuação do Ministério da Saúde, que criou um grupo exclusivo para atuar na crise e incentivou a criação de uma gerência metropolitana, buscando unificar esforços.

JORGE DARZE é presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro.