Título: JOGO COM O DINHEIRO PÚBLICO
Autor: André Miranda e Rodrigo March
Fonte: O Globo, 01/05/2006, Rio, p. 8
Governo estadual usa 30% das verbas do Fecam em obras sem fins ambientais
Qual o ganho para o meio ambiente com a construção de um viaduto sobre uma linha férrea? E com uma quadra esportiva dentro de um conjunto habitacional? Pois essas e outras obras vêm sendo feitas com recursos do Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (Fecam), instituído em 1986 com o nome de Fundo Especial de Controle Ambiental, para financiar projetos voltados à política estadual de controle ambiental. Vinte anos depois, o que se vê são obras que passam longe do objetivo inicial da lei que criou o fundo.
O orçamento destinado ao Fecam em 2005 foi de R$196.887.391. Um levantamento feito pela Comissão de Meio Ambiente da Alerj, com base no Sistema de Acompanhamento Financeiro do Estado (Siafen), mostra que cerca de 30% (R$59 milhões) do fundo foram empenhados em obras até defensáveis do ponto de vista jurídico, mas questionadas por ambientalistas, especialistas e por integrantes do próprio conselho superior do Fecam, responsável pelo gerenciamento dos recursos.
Bondinho e metrô, R$40 milhões
Exemplos desses empenhos em 2005 não faltam. Uma das obras já está pronta: um viaduto, que liga a Via Light à Estrada de Madureira, usou R$934.045 do fundo. O site de notícias do governo do estado, porém, noticiou a obra como ¿um projeto para desafogar o trânsito no centro de Nova Iguaçu¿.
Também com o dinheiro do fundo foram feitas obras de iluminação, áreas de lazer e quadras de esporte no conjunto habitacional Nova Sepetiba, sob a alegação de que a área é de proteção ambiental. O gasto foi de R$1.470.514.
A reforma da cobertura do edifício Pedro Ernesto, em São Cristóvão, onde ficava a sede da Feema, antes de o prédio ser atingido por um incêndio em 2002, também está na lista de empenhos do Fecam (R$77.344). O mesmo acontece com as obras de modernização dos bondes de Santa Teresa e do metrô de Copacabana, que juntas somam mais de R$40 milhões em empenhos.
Representante da Assembléia Permanente das Entidades em Defesa do Meio Ambiente (Apedema) no Conselho Superior do Fecam, o geógrafo Vagner da Silva Oliveira vai propor no próximo congresso da instituição o desligamento da entidade do conselho.
¿ O Fecam é o maior empreendedor das obras do estado. E hoje fazemos parte do conselho apenas para legitimá-las, já que junto com a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) somos os únicos representantes da sociedade civil. Nossos votos não têm peso, porque somos minoria ¿ argumenta.
Além da presidente, Angela Fonti (secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), o conselho superior do Fecam tem outros seis membros efetivos ¿ quatro representantes do governo estadual, um da Apedema e um da Firjan. O Ministério Público, pela lei do Fecam, também teria lugar no conselho, mas a Procuradoria-Geral de Justiça entende que o MP não pode dar consultoria jurídica a entidades públicas.
Na última reunião do conselho, em 5 de abril, foi aprovado um projeto de R$9.939.107 para a manutenção do Piscinão de Ramos. Os representantes da Apedema e da Firjan se abstiveram da votação.
¿ Diante do valor elevado e do questionamento levantado por alguns conselheiros da Firjan sobre a função ambiental do piscinão, nos abstivemos da votação ¿ justifica Paulo Pizão, representante da Firjan no conselho.
O deputado Carlos Minc, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Alerj, lamenta que o fundo seja usado para outros fins que não o meio ambiente. Minc lembra que projetos como o de despoluição da Baía de Sepetiba e a dragagem do Rio Paraíba do Sul estão parados por falta de verbas, enquanto o dinheiro do Fecam é destinado a obras sem interesse ambiental imediato.
¿ O governo alega que tudo o que eles fazem com o dinheiro do Fecam tem uma finalidade ambiental, o que é mentira. Usam a verba do fundo para as obras do metrô alegando que assim diminuirão a poluição do ar ¿ lamenta Minc.