Título: ONG INVESTIGA E PÕE NA REDE CONTAS DO GOVERNO
Autor: Bernardo de la Peña
Fonte: O Globo, 30/04/2006, O País, p. 14

Um economista e um analista de sistemas vasculham o Siafi para descobrir o destino dos investimentos públicos

BRASÍLIA. Para mandar o astronauta brasileiro Marcos Pontes para o espaço, o governo federal usou mais de R$15 milhões de outros programas para o desenvolvimento de satélites e de tecnologias espaciais. Numa espécie de ¿vaquinha¿, os recursos foram usados para pagar os R$16,1 milhões aos russos pela vaga na nave Soyuz, quando deveriam ser destinados a outros fins. A distorção ¿ uma irregularidade do ponto de vista orçamentário ¿ é mais uma das descobertas de um grupo de técnicos especializados em analisar os gastos do governo que no fim do ano passado fundaram a ONG Contas Abertas.

Depois de 15 anos trabalhando em gabinetes de deputados federais interessados em acompanhar o destino dos investimentos com recursos públicos, os técnicos, que já foram responsáveis por denúncias que provocaram até a queda de ministros, decidiram tornar públicos os seus serviços por intermédio da ONG. Nestes cinco meses, o endereço do Contas Abertas, hospedado no provedor UOL, já teve mais de 1 milhão de acessos. O endereço é http://contasabertas.uol.com.br.

Denúncia derrubou ministra de Fernando Henrique

Na rede mundial de computadores, por intermédio da página da ONG, qualquer pessoa pode ter acesso às informações contidas no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) do governo federal. E, conseqüentemente, aos gastos do governo. A intenção é democratizar o alcance aos dados, que já provocaram dores de cabeça nos governantes.

Em 1994, por exemplo, ainda no governo Itamar Franco, uma denúncia feita pelos técnicos ajudou a derrubar a ministra dos Transportes, Margarida Coimbra, que permitiu que seu marido influenciasse a liberação de emendas ao Orçamento beneficiando uma empresa. Já no governo Fernando Henrique, foi o mesmo grupo de técnicos que descobriu que recursos do então Fundo Social de Emergência foram usados para comprar goiabada para Palácio da Alvorada ¿ o que mostrou que o fundo não era social e nem de emergência.

Especialistas trabalharam com vários deputados

De lá para cá, o economista Gil Castelo Branco e o analista de sistemas Carlos Blener passaram pelo menos seis anos trabalhando no gabinete do então deputado federal Augusto Carvalho (PPS), hoje deputado distrital, em Brasília. Carvalho, que se notabilizou pela atuação no controle dos gastos públicos com a ajuda dos técnicos, é o presidente da Contas Abertas. Depois que Carvalho deixou de ocupar um gabinete na Câmara dos Deputados, Castelo Branco e Blener passaram pelos gabinetes dos deputados Agnelo Queiroz (PC do B-DF), Denise Frossard (PPS-RJ) e Eduardo Paes (PSDB-RJ).

Para se ter uma idéia do tipo de serviço que pretendem prestar, só nesta semana o Contas Abertas mostrou que a Presidência da República gastou R$75 mil com toalhas e forros de linho; que os animais sustentados pelo governo gastam mais do que um programa de promoção e defesa das crianças e adolescentes, e que sementes e mudas de plantas para jardins consomem R$10 milhões dos cofres públicos.

¿ Nosso interesse é popularizar a discussão sobre a qualidade do gasto público através de exemplos curiosos ¿ explica Castelo Branco, secretário-geral do Contas Abertas.