Título: VIOLENTO E MISTERIOSO
Autor: Vera Gonçalves de Araujo
Fonte: O Globo, 30/04/2006, O Mundo, p. 42

Provenzano pediu Bíblia na cela

ROMA. Com a prisão de Bernardo Provenzano acabou um pesadelo ¿ o do super-chefão todo poderoso, figura central de vários crimes na Itália ¿ e terminou a farsa, a do foragido que nenhuma polícia conseguia capturar.

Seguindo a chamada ¿pista da lavadeira¿, a polícia descobriu que Provenzano mandava a roupa para sua mulher lavar e chegou a seu esconderijo em Corleone. O que é difícil de entender ¿ para quem não mora na Sicilia ¿ é por que foi preciso esperar 43 anos para prender um homem que se escondia justamente na cidade considerada capital da máfia.

Em 1963, quando começou sua fuga, aos 20 anos, Provenzano já tinha matado 52 pessoas, seguindo ordens de Luciano Liggio, outro chefão que acabou na cadeia. Foi ele que organizou a estratégia do terrorismo mafioso, nos anos 80 e 90, matando juízes e policiais com carros-bomba, sem poupar monumentos ou igrejas como as de São João de Latrão e São Jorge, em Roma. A paz só chegou quando a magistratura começou a prender e condenar chefes e chefões. Aí Provenzano decidiu que era melhor evitar desafios ao Estado, e continuar fazendo seus negócios em silêncio.

Quem acobertou sua fuga? A Justiça já acusou médicos, advogados, empresários, políticos, funcionários públicos. O chefão, durante os anos em que viveu escondido, conseguiu tirar passaporte, casar-se, ir à França se operar de um tumor na próstata. A única foto que as autoridades tinham de Provenzano era a da sua carteira de motorista, tirada aos 20 anos. Foi preciso fazer um retrato falado no computador ¿ que se revelou bem pouco parecido com o original.

O chefe da Direção Anti-máfia, o juiz Pietro Grasso, declarou que dificilmente Provenzano vai falar. Seu primeiro interrogatório em Terni durou oito minutos.

No xadrez, vem se comportando como preso modelo. Os guardas que o vigiam dizem que ele trata todos com muita gentileza. O único pedido que Provenzano fez foi o de ter uma Bíblia na cela. Os juízes recusaram, pois acham que o código numérico que Provenzano usava para criptografar suas mensagens pode ter origem justamente no seu exemplar da Bíblia. (V.G.A.)