Título: `Existe uma burguesia mafiosa¿
Autor: Vera Gonçalves de Araujo
Fonte: O Globo, 30/04/2006, O Mundo, p. 42

ROMA. Mario Azzolini é jornalista e trabalha há 20 anos na sede da TV RAI, em Palermo. Conhece profundamente a cidade e naturalmente a máfia, há séculos presente no cotidiano da Sicília. Como todo siciliano, desconfia de entrevistas. Mas traçou para O GLOBO sua visão do que vai acontecer depois da prisão de Bernardo Provenzano na região italiana mais misteriosa e secreta.

A prisão de ¿Tio Binnu¿ mudou algo na vida siciliana?

MARIO AZZOLINI: Mudou a vida de muita gente. Os resultados das investigações, e o material que a polícia encontrou no esconderijo, está tirando o sono de muita gente. E está demonstrando uma tese que eu defendia nos anos 80: existe uma burguesia mafiosa, a Cosa Nostra não é mais uma organização de pastores, camponeses e do subproletariado urbano. Existe uma rede de profissionais liberais, funcionários, empresários que fazem parte da máfia ou fazem negócios com ela. Esse pessoal está muito assustado, principalmente depois do recado que o juiz antimáfia Pietro Grassi mandou pelos jornais, dizendo ¿quem tem a consciência pesada tem todos os motivos para se preocupar¿.

Quem será o sucessor de Provenzano?

AZZOLINI: Vamos ver. Acho que nesse momento, o interesse da Cosa Nostra é não provocar confusão. E por isso é provável que se mantenha a mesma linha, a da paz mafiosa, adotada por Provenzano. Tudo depende dos equilíbrios. Os jornais estão falando muito do Matteo Messina Denaro, mas acho que ele não tem muita chance. Elegante demais, relógio de ouro, carrão, modelos como namoradas: dá mais para filme do que para chefão efetivo. Acho que nesse momento eles vão escolher uma espécie de regente, para administrar os acordos já firmados, à espera de que uma das famílias tome a iniciativa. Com as armas ou com o dinheiro. E o melhor regente certamente seria Salvatore Lo Piccolo, que não tem muito carisma mas é de plena confiança de todos. A verdade é que para responder a essa pergunta eu precisaria de uma bola de cristal.

No cotidiano de uma cidade como Palermo, com uma presença mafiosa arraigada e visível, já se notou algo de novo?

AZZOLINI: A paisagem é a mesma, a Cosa Nostra nunca dependeu de um homem só para o seu cotidiano. Continuam exigindo 2% de todas as atividades comerciais e industriais em troca de proteção, continuam refinando heroína e cocaína. Os emigrantes clandestinos continuam desembarcando nos portos sicilianos. Aparentemente ninguém se distraiu com a saída de Provenzano. (V.G.A.)