Título: MÁFIA EM BUSCA DE UM NOVO E PODEROSO CHEFÃO
Autor: Vera Gonçalves de Araujo
Fonte: O Globo, 30/04/2006, O Mundo, p. 42

Prisão de `capo¿ da Cosa Nostra Bernardo Provenzano provoca briga por sucessão entre as organizações criminosas do país

Juízes, políticos, jornalistas e sicilianos em geral estão tentando responder à pergunta mais freqüente após a prisão do capo dei capi (chefe dos chefes) da Cosa Nostra, Bernardo Provenzano, em 11 de abril. O que acontecerá agora, no complicado aparato da cúpula mafiosa? Para o homem que organizou o cerco e a captura do número um da máfia siciliana, o promotor antimáfia Pietro Grasso, por enquanto, nada:

¿ A Cosa Nostra está em crise, parada. Vão esperar para decidir ¿ diz.

Outros juízes, porém, formularam hipóteses sobre a sucessão. Mesmo porque Provenzano, o chamado ¿Tio Binnu¿, impunha um equilíbrio entre os vários e briguentos clãs da máfia na Sicília, e sua prisão criou um vazio de poder. Agora, dois são os cenários possíveis: encontrar e nomear rapidamente um novo chefão ou abrir uma guerra como a dos anos 80, que levou o clã de Corleone a dominar a organização criminosa.

Dois candidatos à sucessão

Os dois candidatos mais citados pela imprensa são Salvatore Lo Piccolo, 60 anos, de Palermo, e Matteo Messina Denaro, 43 anos, de Castelvetrano. O choque será entre a velha e a nova guardas da máfia: Salvatore é chefe tradicional, ligado à sua cidade e a seu bairro, e olha com desconfiança para os novos picciotti (moleques). Matteo é o classico boss americanizado, e tem no seu currículo três atentados que em 1993 mataram e fizeram estragos em Roma, Milão e Florença. Seu ponto fraco são carros e mulheres, mas no resto é o mais parecido com Provenzano: assassino frio e certeiro, que gosta de olhar no rosto suas vítimas na hora de matá-las. Já foi condenado à prisão perpétua; se tiver tempo, pode chegar ao nível do ¿Tio Binnu¿, que tem seis condenações perpétuas.

O exibicionismo de Matteo pode atrapalhar sua candidatura a capo dei capi. A Cosa Nostra é ainda dominada pela geração de Provenzano e Totó Riina ¿ o antecessor de ¿Tio Binnu¿, também preso. Gente que não gosta de espalhafato e prefere um chefe mais antiquado e menos cosmopolita como mediador e fiador das famílias das várias cidades sicilianas.

Calabreses são principais rivais

Segundo dados da Comissão Parlamentar Antimáfia, a Cosa Nostra tem 17.500 alistados ¿ o termo militar reflete a organização vertical interna ¿ e 200 mil associados. É o negócio que mais fatura na Itália: US$100 bilhões em negócios e US$400 bilhões de patrimônio. Escolher o nome de seu chefe quer dizer também decidir quem será o presidente de uma ¿holding¿ que fatura com tráfico de drogas, armas e imigrantes clandestinos, prostituição, construção civil, extorsões de comerciantes e lavagem de dinheiro na Itália e no mundo.

Além de se tornar um dos homens mais ricos da Europa, o novo chefão vai enfrentar a ofensiva das duas outras máfias organizadas italianas: a Camorra napolitana e a Ndrángheta calabresa. Atualmente, os principais rivais da Cosa Nostra são os calabreses, que dominam o tráfico de armas. Agora que o intermediário do acordo foi preso, os calabreses podem pretender uma fatia maior.

A Camorra napolitana também cria problemas, embora seja considerada a irmã caçula da Cosa Nostra: especialistas em contrabando aprenderam com sicilianos a arte de outros tráficos ilegais. Hoje dominam o grande mercado da prostituição, com uma rede que traz mulheres da África e do Leste da Europa para as calçadas das cidades italianas. E, como todos os caçulas, a Camorra sonha em tomar o lugar do irmão mais velho.

A escolha de um novo chefão tem também um aspecto diplomático: ele é a figura encarregada de negociar e firmar acordos com cartéis do crime internacional. Antigamente, o apoio dos americanos era fundamental; hoje, os sicilianos decidem sozinhos.

Por coincidência, a eleição do novo capo dei capi vai acontecer juntamente com a escolha do novo governador da Sicília, no voto regional de 28 de maio. Os dois concorrentes são o direitista Totó Cuffaro, atual governador, envolvido em vários processos ligados à máfia, e Rita Borsellino, candidata de centro-esquerda e irmã do juiz Paolo Borsellino, assassinado em 1992 com um carro-bomba estacionado em frente à casa de sua mãe. Por ordem de Totó Riina e Provenzano.

As duas campanhas se cruzam ¿ no esconderijo de Provenzano foi encontrado material de propaganda de Cuffaro. Se Borsellino ganhar a eleição, além de órfã, a Cosa Nostra perderia sua principal fonte de legitimação: a Assembléia Legislativa siciliana. O medo de quem vive na ilha é que as famílias decidam entrar com todo seu peso militar na campanha, que pode virar um campo de batalha para a escolha do novo poderoso chefão.

Mesmo porque a Cosa Nostra sempre cultivou o controle político ¿ não só na Sicília. Basta lembrar o caso do mafioso Vittorio Mangano, que foi assumido pessoalmente por Berlusconi ¿ na época simples empresário ¿ para trabalhar na estrebaria do seu palacete em Arcore, nos arredores de Milão. Mangano tinha sido condenado como chefe do tráfico de drogas em Milão por conta das famílias de Palermo. Foi apresentado a Berlusconi pelo advogado siciliano Marcello Dell`Utri, seu amigo e hoje senador de Forza Italia. A manchete do jornal inglês ¿The Independent¿, no dia seguinte às eleições em que Berlusconi foi derrotado, brinca com as relações perigosas entre o chefe do governo e o da Cosa Nostra: ¿A queda do poderoso chefão.¿

No esconderijo de Provenzano em Corleone, a polícia encontrou uma grande quantidade de pizzini, bilhetinhos que o chefão batia a máquina e mandava entregar a seus homens. Nada de computadores e celulares: o chefão preferia o papel. Num dos bilhetes, um amigo perguntava: em quem vamos votar? A resposta de Provenzano foi escrita em código, mas é fácil supor que seu candidato faz parte do governo de centro-direita. O próprio governador Cuffaro, do partido dos moderados da UDC, é grande amigo de um dos seus principais testas-de-ferro, o empresário Michele Aiello.