Título: COOPERATIVAS DE CRÉDITO EM CRISE
Autor: Henrique Gomes Batista e Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 01/05/2006, Economia, p. 15

Juros em queda e empréstimos consignados ameaçam o futuro das entidades

Aforte expansão do crédito nos últimos meses e a gradual redução dos juros ameaçam o futuro de um tipo de associação que, durante muitos anos, foi sinônimo de empréstimo barato no Brasil. São as cooperativas de crédito, comuns principalmente nas regiões rurais do país, mas que hoje sofrem com os altos custos de manutenção, a falta de cooperados, o excesso de regulamentação governamental e a dificuldade de obtenção de capital. Até mesmo a competição com o crédito consignado, mais barato, é uma nuvem escura no horizonte das cooperativas.

Hoje o Brasil conta com 1.436 cooperativas de crédito, segundo o Banco Central (BC). São associações de pessoas, que emprestam valores de pequena soma aos seus cooperados, em torno de R$150 por transação. Como as cooperativas não visam ao lucro, os juros cobrados normalmente são menores que os do sistema financeiro tradicional. Mas, com o aumento da oferta de crédito barato, a diferença das taxas, um dos maiores atrativos dessas organizações, pode sumir.

Os números da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) ainda dão vantagem para as cooperativas. A taxa média cobrada pelo setor, em dezembro, estava em 4,58% ao mês. Nas instituições financeiras, segundo a OCB, as taxas mensais eram de 8,51% ¿ incluindo, nos dois casos, as modalidades mais caras como o cheque especial e o cartão de crédito.

Um baixo volume de empréstimos

Mas, de acordo com o Ministério do Trabalho, os juros para empréstimos gerais de muitas cooperativas já chegam a 54% ao ano. O crédito geral do sistema bancário, segundo dados do BC de fevereiro, estava com taxa média de 46,2% ao ano. E há bancos que cobram 23% anuais para alguns clientes em crédito com desconto em folha de pagamento.

¿ Os juros de algumas cooperativas é alto porque o volume de clientes e de empréstimo é muito pequeno. Elas não têm fôlego, a média é de mil a dois mil clientes e o ideal é que tenham dez mil cooperados ¿ diz o secretário Nacional de Economia Solidária, Paul Singer.

Segundo o secretário, já há casos de cooperativas de crédito, no interior de São Paulo, que ameaçam fechar. Uma cooperativa específica, segundo Singer, tem cerca de 2.500 associados que solicitam valores pequenos e, mesmo cobrando juros de 4%, não consegue garantir a folha de pagamento de R$10 mil mensais:

¿ Estamos buscando soluções. Estamos elaborando o Plano de Desenvolvimento Institucional para reduzir os custos, como a integração da contabilidade destas entidades, paras que elas possam cobrar juros mais decentes.

Assim como as cooperativas de produção, as entidades de crédito estão concentradas nas áreas rurais do país. Nessas regiões, estão em melhor situação graças ao Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf), frisa o secretário:

¿ As cooperativas rurais têm um campo de atuação garantido. Os próprios bancos, aliás, preferem passar os recursos para que elas os repassem aos usuários finais.

Nas atividades fora da agricultura, entretanto, o quadro não é tão bom. Estudo do próprio Ministério do Trabalho aponta que 49% das 14.954 entidades de economia solidária do país (cooperativas de produção, associação de artesões, pescadores etc.) dizem que têm problemas de crédito. Para o secretário, há ainda outros entraves:

¿ O BC não é um obstáculo, mas é quase isso. Há muita resistência bem intencionada, para evitar problemas com cooperativas de crédito. Demora quase um ano para uma cooperativa de crédito ser legalizada.

Para BC, saída estaria na fusão

O BC rebate as críticas e afirma que o sistema regulatório das cooperativas de crédito no país, implementado em meados de 2003, é adequado. Para o chefe do Departamento de Organização do Sistema Financeiro do BC, Luiz Edson Feltrim, a grande saída para o segmento é a fusão das cooperativas, além da ampliação do profissionalismo. Com ganhos de escala, acredita ele, será possível diminuir as taxas de juros dos empréstimos, por exemplo:

¿ Falta para as cooperativas aquilo que o sistema bancário está fazendo: fusão.

Segundo o chefe de departamento do BC, a lei permite que cooperativas de crédito rural, de empregados ou profissionais se unam, mas não existem nem cinco casos deste tipo no país. O banco ainda estuda permitir que também as cooperativas de empresários possam se unir às outras categorias, o que hoje é proibido.

Feltrim diz ainda que atualmente só existem 190 pedidos de abertura de cooperativa de crédito no Banco Central para análise. De meados de 2003 até março passado, a autoridade monetária recebeu 529 pedidos semelhantes, sendo que 205 foram aprovados, 125 arquivados por iniciativa dos próprios interessados e apenas nove indeferidos.

Para o superintendente da OCB, Marco Aurélio Fuchida, os problemas governamentais são maiores que as dificuldades criadas pelo Banco Central. Ele defende uma regulamentação que traga mais liberdade e incentivos ao setor:

¿ Precisamos ter cooperativas livres, que possam reunir diferentes categorias de pessoas e trabalhadores, além de contar com recursos iniciais, como verbas do BNDES, que hoje são muito difíceis de obter.