Título: POR UM FIO
Autor: George Vidor
Fonte: O Globo, 01/05/2006, Economia, p. 16

As próximas semanas serão decisivas para se virar o jogo em relação ao projeto da siderúrgica (CSA) do grupo alemão ThyssenKrupp para o distrito industrial de Santa Cruz, no Rio, pois tudo vem conspirando contra, começando pela valorização do real frente ao dólar. Os alemães se dispuseram a investir US$2 bilhões no país, mas os cálculos foram feitos com o dólar a R$2,80.

Os orçamentos foram revistos, mas as contas continuam estourando. Para complicar a situação, a dragagem do canal da Baía de Sepetiba que dará acesso ao terminal portuário pelo qual a CSA vai exportar placas de aço custará US$90 milhões a mais devido a metais pesados depositados no fundo, que só podem ser removidos com muito cuidado para que não haja uma tragédia ecológica.

E no dia 26 de março, o Conama baixou uma resolução que afeta indiretamente a CSA. Áreas de conservação permanente, como o manguezal de Sepetiba, não podem ser mais tocadas. No entanto, estava prevista a passagem de uma ponte sobre o manguezal para ligar a CSA ao porto. O desvio que terá de ser feito onerou o projeto em US$30 milhões.

Para salvar o empreendimento, diretores da ThyssenKrupp e autoridades do governo do Rio pediram ajuda ao governo federal. São Paulo e Minas teriam que reduzir impostos cobrados sobre equipamentos a serem produzidos nesses estados (o Rio abriu mão do equivalente a US$150 milhões em ICMS). Como a dragagem também beneficiará o porto ¿ uma propriedade federal ¿ a empresa reivindica dividir custos com a Companhia Docas do Rio. Além disso, parte dos equipamentos terá de ser comprada na China ¿ por serem de 30% a 40% mais baratos ¿ e assim, durante a montagem, cerca de 600 trabalhadores chineses, em rodízio, teriam de passar nove meses no Brasil, com visto de trabalho temporário. Durante o pico da obra seriam gerados 18 mil empregos, e com a siderúrgica pronta 3.500 permanentes.

Nada menos que 77 empresas da região de Nova Friburgo exportam peças de moda íntima (o que inclui além de lingerie também pijamas, camisolas, robes, sungas e biquínis), mas apenas 14 delas o fazem com registro no Siscomex, da Receita Federal. É que a burocracia para uma pequena empresa exportar piorou com o chamado Radar do Comércio Exterior, que exige, por exemplo, preenchimento de um formulário com a previsão de fluxo cambial para os 12 meses seguintes.

Para evitar essa burocracia incompreensível, o pequeno exportador se socorre no correio ou no serviço que o Banco do Brasil montou com a Fedex. Pelo correio, só podem ser feitas remessas contendo até 30 quilos e em valor não superior a US$10 mil. Mas a encomenda corre o risco de ser recusada no país de destino se não estiver com documentação adequada. O exportador fica dependendo de, por sorte, ser atendido por algum funcionário que voluntariamente tenha se qualificado como agente de comércio exterior (o serviço do Banco do Brasil assume tal tarefa, e por isso cobra mais caro que o correio). Estima-se que exportações feitas pelo correio passem de US$1 bilhão por ano, sem aparecer na estatística do Ministério do Desenvolvimento.

Mesmo com esses percalços, a moda íntima de Nova Friburgo chega até a Abu Dhabi. Curiosamente, o que mais se vende para lá são peças sensuais e eróticas.

Anos atrás, a moda íntima produzida em Nova Friburgo era de baixa qualidade. Mas a Federação das Indústrias (Firjan) apostou no potencial das empresas locais, e criou um Conselho da Moda, indicando para presidi-lo Cláudio Tângari, empresário de outro setor (no caso, metal-mecânico), para não haver conflito de interesses. A informalidade diminuiu e as confecções da região friburguense já respondem por 25 mil empregos, sendo 8.800 diretos, em uma população da ordem de 190 mil pessoas. A informalidade tangenciava a criminalidade, com toda uma rede de produtores e sacoleiras sendo explorada por agiotas.

Ao se formalizarem, as pequenas empresas conseguem financiamentos até para a elaboração de catálogos e mostruários ou para a compra de equipamentos de uso coletivo (laboratórios etc.). A qualidade foi melhorando e hoje compradores do Chile chegam a pagar US$1 a mais por peça, em relação à lingerie chinesa, só por causa da marca Brasil.

Além da moda íntima, a indústria de Nova Friburgo está mais atenta ao setor de petróleo. Uma estrada pavimentada vai ligar a região com o litoral da Bacia de Campos, passando por toda uma área de ecoturismo.

O grupo Alsthom, um dos maiores fabricantes de equipamentos elétricos da França ¿ produz, por exemplo, o TGV, o trem de alta velocidade que é orgulho dos franceses ¿ que entrara em colapso financeiro por causa de um mau negócio, recebeu uma injeção de capital do governo de 820 milhões há dois anos. O grupo encolheu, reduzindo seu faturamento e número de funcionários pela metade, e o governo francês agora conseguiu vender essa participação para investidores privados por 1,8 bilhão. Ganhou quase 1 bilhão em dois anos.

Aqui no Brasil, uma operação semelhante a essa para recuperar a Varig talvez não desse certo. Mas é o caso de se avaliar.