Título: Bolívia nacionaliza petróleo
Autor: Eliane Oliveira e Monica Tavares
Fonte: O Globo, 02/05/2006, Economia, p. 19

Decreto estatiza empresas e eleva impostos, afetando principalmente a Petrobras

Opresidente da Bolívia, Evo Morales, determinou ontem a nacionalização de todas as etapas da exploração e comercialização do petróleo e gás no país. Na prática, o governo quer estatizar as multinacionais presentes na Bolívia, entre elas a Petrobras. Tropas do exército ocuparam 53 campos de produção, refinarias e dutos, incluindo duas unidades da Petrobras. Surpreendido com a notícia, o governo brasileiro convocou para hoje uma reunião de emergência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seus principais auxiliares. Nas palavras de um assessor próximo a Lula, o governo ¿foi pego de calças curtas¿.

Lula conversará ainda nesta terça-feira, por telefone, com o presidente boliviano. Dirá a ele que, para a Petrobras, não há outro caminho a não ser recorrer à esfera judicial. A empresa brasileira tem investimentos de mais de US$1 bilhão na Bolívia e responde por cerca de 45% da produção de gás no país.

Segundo o decreto assinado por Morales ontem ¿ com o sugestivo nome de ¿Heróis do Chaco¿ ¿ as empresas privadas serão obrigadas a vender ações para a estatal YPFB, para que o Estado fique com o controle das companhias (50% mais um das ações). A medida significa a reestatização do setor, que fora privatizado na década de 90. Mas atinge inclusive a Petrobras, que investiu no país após a privatização.

Estado terá 82% do valor da produção

A empresa também foi particularmente afetada por outra imposição do decreto. Os dois maiores campos de gás do país ¿ San Alberto e Sábalo, operados pela Petrobras e que respondem por 70% das exportações de gás da Bolívia ¿ terão que entregar ao Estado 82% de seu valor de produção. As empresas ficarão com apenas 18%. Desde o ano passado, as petroleiras pagam ao governo, em tributos e outras participações, 50% do valor de produção. A partir de agora, nesses dois campos, haverá um adicional de 32%. A Petrobras detém 35% do campo de San Alberto e 50% de Sábalo.

O presidente Evo Morales anunciou as medidas em San Alberto, que fica a 700 quilômetros de La Paz. Uma bandeira da Bolívia foi erguida no local, que recebeu um cartaz com a palavra ¿nacionalizado¿.

¿ Hoje é um dia histórico para a Bolívia. Acabou o saque dos nossos recursos naturais por empresas estrangeiras ¿ disse Morales, que assinou o decreto no Dia do Trabalho.

Na avaliação do governo brasileiro, a Bolívia optou pela forma mais radical de nacionalizar suas reservas naturais. A estratégia do Brasil, provavelmente, será fazer valer os direitos da Petrobras via arbitragem internacional, sob a alegação de rompimento unilateral de contrato. Um dos fóruns possíveis é a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Dando o tom da revolta brasileira, o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, reagiu fortemente:

¿ Considero o gesto inamistoso, que pode ser entendido como um rompimento dos entendimentos que vinham sendo mantidos pelo governo brasileiro e o governo boliviano.

Em entrevista à TV Globo, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, disse que pretende esclarecer com o governo boliviano aspectos do decreto que, na sua avaliação, não são operacionais:

¿ Nós tomaremos todas as medidas possíveis para garantir o fornecimento do gás a Brasil.

Em nota, a Petrobras disse ainda que tomará as medidas cabíveis para resguardar seus direitos.

Depois do envio de diversas missões a La Paz, no governo não há mais dúvidas de que há apenas um interlocutor com chances de convencer Morales a voltar atrás: Lula. Participam da reunião de hoje o assessor internacional da presidência, Marco Aurélio Garcia, o secretário-geral do Itamaraty, Samuel Pinheiro Guimarães, e o presidente da Petrobras.

O decreto boliviano afeta cerca de 20 multinacionais, entre elas a Repsol YPF (espanhola e argentina), a British Petroleum (Reino Unido) e a Total (França). O governo espera aumentar sua arrecadação anual com petróleo e gás dos atuais US$460 milhões para US$780 milhões em 2007. Essa é a terceira vez que a Bolívia nacionaliza empresas de gás. Medidas semelhantes foram tomadas em 1937 e 1969.

*Com agências internacionais

LULA CONVERSA HOJE COM MORALES , na página 20