Título: Lula conversa hoje com Morales por telefone sobre perdas da Petrobras
Autor: Eliane Oliveira, Monica Tavares
Fonte: O Globo, 02/05/2006, Economia, p. 20

Presidente brasileiro dirá ao vizinho que prejuízo da estatal é inaceitável

BRASÍLIA e BUENOS AIRES. A conversa que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva terá hoje por telefone com o presidente da Bolívia, Evo Morales, será dura. Diante dos nove pontos do decreto de nacionalização assinado pelo boliviano, Lula será taxativo: considera inaceitável que uma empresa brasileira, que já investiu cerca de US$1 bilhão naquele país, saia de lá com prejuízos devido à regulamentação que, ao que tudo indica, carece de eqüidade com outras petrolíferas.

A primeira leitura do decreto indica que apenas a Petrobras e outras três petrolíferas foram citadas diretamente no documento. Por isso, Lula dirá que o clima no Brasil é de perplexidade. Segundo fontes, Lula destacará que entende a preocupação de seu colega boliviano em preservar suas riquezas naturais, mas que esperava uma solução negociada.

¿ A negociação está delicada. O Brasil tem que reagir ¿ afirmou um importante interlocutor do governo.

Desde o início do impasse, a posição da Petrobras, apoiada pelo governo brasileiro, era não bater de frente com Morales. Enquanto Repsol YPF (Espanha e Argentina), British Gas e British Petroleum (Reino Unido) e Total (França) ameaçavam recorrer a uma arbitragem internacional, a estatal brasileira preferia o silêncio, buscando um entendimento. Agora, com a radicalização de Morales, a estratégia brasileira será revista.

Autoridades brasileiras não acreditam em retrocesso

O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, confirmou que a Petrobras defenderá seus interesses:

¿ Qualquer ato de soberania de um governo que fere os interesses de outros países deveria ser negociado. Acredito que a Petrobras vai negociar seus interesses pactuados com o governo boliviano.

Segundo uma fonte do governo brasileiro, é praticamente impossível que o Morales volte atrás na sua decisão, fortemente influenciada pela formação da Assembléia Constituinte no início de julho. Ele precisa de maioria no Congresso e o alcance desta estava ameaçado, por isso já se esperava a elevação do tom nacionalista, mas não um rompimento.

Na conversa de hoje, há três perguntas que precisam ser respondidas, segundo negociadores brasileiros. A primeira é se a Petrobras será indenizada pelas ações que obrigatoriamente terá que repassar à Bolívia. O segundo ponto é como ficará o processo de compra e venda do gás da Bolívia para o Brasil. Isso porque, além de importarmos de lá mais de 50% do que consumimos, a estatal boliviana passará agora a controlar preço e quantidade ofertada, que hoje está nas mãos do mercado.

Além disso, há dúvidas sobre quem terá controle sobre o transporte de gás, no que diz respeito ao gasoduto Brasil-Bolívia. Para um negociador, se a empresa boliviana assumir a comercialização do gás, o acordo dos dois países de compra e venda do produto não tem mais validade. E, por último, a pergunta que, em parte, deriva da resposta dos questionamentos anteriores: a Petrobras sairá ou não da Bolívia diante das novas condições de negócio?

Uma fonte explicou que, mesmo com o tom político que obviamente precisa ser dado a essa crise, o lado empresarial da Petrobras pesará de forma decisiva. E os dirigentes da petrolífera brasileira já deixaram claro, em conversas com o governo boliviano e com a estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB), que não aceitará qualquer compensação em troca de sua permanência naquele país.

Para negociadores, medida é suicídio econômico

A nacionalização foi considerada um suicídio por fontes brasileiras que participaram das negociações entre a Petrobras e a Bolívia.

¿ Trata-se de uma medida política, do ponto de vista econômico é suicídio. A decisão do governo de ficar com 82% do faturamento das empresas que operam no país inviabiliza o negócio ¿ disse um dos negociadores brasileiros.

Ele considera pouco provável a ruptura de relações entre o Brasil e a Bolívia, mas admite que há grandes possibilidades de o governo Lula recorrer a tribunais internacionais.

¿ A Petrobras opera na Bolívia através da Petrobras Holanda e como existe um acordo de proteção de investimentos entre a Bolívia e a Holanda o mais provável é que o Brasil recorrer à Justiça holandesa.

Até ontem à noite, o governo brasileiro não havia se comunicado com autoridades bolivianas.

¿ A reunião convocada por Lula será decisiva. Achamos que a resposta do Brasil será contundente ¿ declarou o funcionário brasileiro.

COLABOROU Adriana Vasconcelos