Título: Clandestinos mostram sua cara
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 02/05/2006, O Mundo, p. 2

Milhões saem às ruas para pressionar Congresso por anistia aos ilegais e abalam economia

Hóspedes do elegante Hilton Anatole, em Dallas, no Texas, ficaram sem o café da manhã ontem porque os garçons do hotel não apareceram para trabalhar. As roupas de cama tampouco foram trocadas, pois as camareiras também aderiram ao ¿Dia Sem Imigrante¿ ¿ a simbólica greve de 24 horas, acompanhada de um boicote comercial, com o objetivo de sensibilizar o Congresso dos EUA a aprovar uma nova lei de imigração que conceda anistia às 12 milhões de pessoas que vivem ilegalmente no país.

O sofisticado restaurante francês La Chaumier, em Washington, viu-se obrigado a fechar as portas, assim como algumas lanchonetes das redes McDonald¿s e Wendy¿s, em várias cidades. Grandes empresas, em especial as processadoras de carnes e distribuidoras de alimentos, simplesmente deram folga a todos os empregados ¿ em sua maioria imigrantes hispânicos.

A economia americana não parou ontem. Mas sofreu abalos. Os trabalhadores braçais, em especial os que atuam na clandestinidade acobertados por empregadores que no geral lhes pagam salários mais baixos, conseguiram, sem dúvida, fazer-se notar. Milhões foram às ruas. Só em Los Angeles eram 500 mil. Em Chicago a polícia estimava em pelo menos 300 mil.

O movimento foi mais limitado em Washington onde, reunidos no Parque Malcolm X, dezenas de milhares de pessoas freqüentemente repetiam o grito de guerra que ecoava nas outras cidades, como uma mensagem aos parlamentares:

¿ Hoje marchamos, amanhã votamos!

Era uma clara referência ao fato de que os legais votarão em novembro próximo, quando haverá mudanças no Congresso, em quem for favorável à lei de imigração que interessa a essa comunidade. Era, ainda, um sinal aos políticos de que uma vez legalizados, os demais também passariam a votar naqueles ¿ ou no partido ¿ que agora resolverem o seu problema.

¿ Está na hora de fazer algo a respeito. Seja como for, se conseguissem parar a imigração, a nossa economia seria tumultuada. Isso causaria aumento de preços para muitas coisas e serviços. Seria sem a menor dúvida um enorme ajuste à nossa economia ¿ disse Mark Zandi, economista-chefe da Moody¿s Economy.com, de Nova York.

Diane Swonk, da Mesirow Financial, de Chicago, endossou:

¿ Virar as costas para quem quer trabalhar é uma tolice num momento em que o nosso mercado de trabalho está apertado, estamos ficando mais velhos e necessitamos de jovens para trabalhar ¿ disse.

Casa Branca reage com frieza a protestos

Parlamentares observaram as marchas pela TV e, significativamente, relutaram em comentá-las de imediato. A reação da Casa Branca, favorável a uma lei mais branda que permita o fluxo contínuo de trabalhadores estrangeiros devidamente legalizados, ainda que temporariamente, foi fria:

¿ O presidente não é um fã de boicotes. As pessoas têm o direito de expressar pacificamente as suas opiniões, mas o presidente quer ver uma ampla reforma ser aprovada pelo Congresso, para que ele possa assinar como lei a entrar em vigor ¿ disse o porta-voz Scott McClellan.

A sua expectativa é que o Senado aprove uma versão mais branda que a da Câmara ¿ que decidiu construir um muro ao longo da fronteira com o México e criminalizar quem vive ilegalmente no país, o que acarretaria uma deportação em massa. O que está em jogo é uma negociação posterior entre o Senado e a Câmara, em busca de uma terceira versão que possa ser aceita por ambas as casas.

Segundo McClellan, Bush está otimista. Mas o próprio presidente da Câmara, o republicano Dennis Hastert, deu a entender que a Casa Branca está subestimando a oposição dentro do partido. Roy Blunt, o republicano que coordena os projetos do partido na Câmara, foi mais claro:

¿ A visão de Bush certamente não é a da Câmara no momento. Vamos ver o que resulta dessa greve e do boicote. A minha primeira impressão é que ela só reforça a nossa proposta mais dura. Ao ver um mar de imigrantes, muitos deles ilegais, agitando bandeiras estrangeiras, muitos podem estar reforçando posições mais duras.