Título: MESMO EM 2010, DEPENDÊNCIA DO PRODUTO BOLIVIANO AINDA SERÁ DE 30%
Autor: Luiza Damé e Monica Tavares
Fonte: O Globo, 03/05/2006, Economia, p. 25

Especialistas afirmam que governo deve adotar plano de racionamento

A não ser que o governo brasileiro mude radicalmente sua política nacional para o gás natural, a dependência do país em relação às importações do produto da Bolívia vai continuar nos próximos anos. A previsão da Petrobras é de que o consumo interno de gás natural, hoje de cerca de 45 milhões de metros cúbicos por dia, chegue em 2010 a cem milhões ¿ dos quais 30 milhões seriam importados da Bolívia. Isso significa que apesar de todas as expansões na produção interna, a dependência da Bolívia apenas cairia de 50% para 30%.

Devido à dependência, especialistas no setor petrolífero afirmaram ontem que o governo brasileiro deve adotar com urgência um plano de racionamento. Segundo eles, apesar de o governo boliviano não ter ameaçado suspender o contrato de venda de gás para o Brasil, as medidas tomadas na segunda-feira mostram que o Brasil deve se preparar para o pior. O contrato em vigor tem preços fixados trimestralmente, com base em uma cesta de preços de óleos combustíveis no mercado internacional. Os especialistas temem que a Bolívia interrompa o fornecimento ou aumente os preços ao Brasil ¿ que hoje paga bem menos do que o valor cobrado nos mercados internacionais.

¿ É preciso adotar um verdadeiro plano de guerra, porque no curtíssimo prazo não é possível substituir o gás por outro energético. Assim como numa cirurgia, é preciso estar preparado para qualquer situação ¿ ressaltou o consultor David Zylbersztajn, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP)

Para Luiz antonio Lemos, advogado especialista em petróleo do escritório Tozzini, Freire, Teixeira e Silva, o primeiro passo é fazer um plano de racionamento. Em segundo lugar, segundo o advogado, o país precisaria começar a pensar em alternativas para o gás natural.

Segundo o advogado, a Petrobras poderia ter desenvolvido, por exemplo, um projeto para importar gás de países africanos, como a Nigéria, por navios. Esse projeto exigiria investimentos na construção de unidades de regaseificação nos portos brasileiros. O país poderia então importar o gás natural liquefeito (GNL), ou seja, o produto viria para o país em sua forma líquida. s

Ações da Petrobras fecharam em alta de 3,41%

A produção atual da Petrobras de gás natural é de cerca de 44 milhões de metros cúbicos diários, dos quais 22 milhões são vendidos ao mercado interno e o restante é para consumo próprio em suas plataformas e refinarias. Neste ano está previsto um aumento de seis milhões de metros cúbicos por dia na produção. A estatal está em ritmo acelerado para iniciar a produção de 12 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural no campo gigante de Mexilhão, em Santos, a partir de 2008.

A nacionalização das refinarias na Bolívia fez com que as ações da Petrobras caíssem até 1,4% na abertura do pregão na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), pois investidores temiam um desabastecimento no Brasil. Ao longo do dia, os papéis mudaram de rumo, para fecharem em alta de 3,41% (as ações ordinárias, com direito a voto).

Segundo Luiz Broad, analista da corretora Ágora Senior, a virada se deu quando investidores entenderam que o impacto será pequeno para a Petrobras:

¿ A Bolívia representa apenas 2% das receitas da Petrobras. Em termos financeiros, o impacto é muito pequeno. Para a Petrobras, a cotação do petróleo tem muito mais importância para o desempenho da companhia. E a manutenção das cotações do petróleo em patamares elevados só tende a beneficiar a Petrobras. Mas a queda das ações, pela manhã, criou uma excelente oportunidade de compra para os investidores que queriam aplicar nos papéis da Petrobras.

O analista avalia que a companhia pode afastar o risco de desabastecimento se buscar alternativas ao gás boliviano.