Título: Pizza dupla: Câmara absolve dois mensaleiros
Autor: Maria Lima e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 04/05/2006, O País, p. 10

Plenário livra Josias Gomes da perda do mandato e Conselho de Ética, reforçado pelo PT, absolve Vadão Gomes

BRASÍLIA. Sem constrangimento de aumentar o desgaste do Parlamento, a Câmara dos Deputados sepultou ontem a disposição de punir os envolvidos no escândalo do mensalão. Num único dia absolveu definitivamente o deputado Josias Gomes (PT-BA), no plenário, e Vadão Gomes (PP-SP), no Conselho de Ética. Josias, o décimo dos 19 mensaleiros representados pela CPI dos Correios a ser absolvido, obteve 228 votos pela cassação ¿ 29 a menos que o necessário ¿ 190 contra, 19 abstenções, cinco votos em branco e um nulo. Vadão foi absolvido por oito votos contra e cinco a favor da cassação.

O último processo relativo ao valerioduto em tramitação no Conselho é o do ex-líder do PP José Janene (PR). Ele entrou ontem no Supremo Tribunal Federal com ação contestando decisão da Câmara que não quer lhe conceder aposentadoria por invalidez

Josias foi o único mensaleiro que realmente deixou digitais. Ao se apresentar pessoalmente no banco Rural para sacar R$100 mil do valerioduto, deixou cópia da identidade parlamentar. No mesmo dia, transferiu parte do dinheiro para a conta de um irmão. Mas a prova do crime foi usada como argumento de defesa: na sua versão, foi um atestado de boa fé. Já Vadão é acusado de receber uma quantia milionária do valerioduto: R$3,7 milhões.

¿ A pizza está feita. Para alguns é saborosa, doce. Para outros, como eu, o sabor é amargo. Essa Casa é muito maior do que as relações pessoais ¿ lamentou o líder do PFL, Rodrigo Maia (RJ).

¿ O corporativismo perdeu de vez o pudor e o plenário diz, às escondidas, que mensalão é ficção. Esta é a legislatura da pizza! ¿ protestou Chico Alencar (PSOL-RJ).

¿Caixa dois não é crime de lesa-pátria¿

Como todos os outros parlamentares envolvidos no mensalão, Josias repetiu que pediu ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares o dinheiro para pagar dívidas de campanha eleitoral de outros integrantes do partido na Bahia. Mas bem antes do início da sessão de cassação, exibia tranquilidade:

¿ Meu caso tem começo, meio e fim. Fui ao Delúbio, tesoureiro do meu partido, pedir dinheiro e, até como ato de boa-fé, deixei a carteira de parlamentar no banco. Imaginei que era dinheiro do meu partido. O caixa dois é uma prática condenável, que não se sustenta, mas não é um crime de lesa-pátria, ainda mais no meu caso.

Em sua defesa, contudo, admitiu que desviava recursos do crédito educativo, quando estudante, para fazer filiações ao PT na Paraíba. Ainda para sensibilizar os deputados e provar que não agiu de má fé, falou de seu começo difícil, quando, para sobreviver, vendia tecidos, plantava coentro e criava galinhas.

¿ O que se viu nos últimos tempos foi a proliferação da plantação de orégano e manjericão em São Paulo e Minas, para abastecer a Câmara na confecção das 11 pizzas produzidas até agora ¿ ironizou o ex-relator do caso José Dirceu, deputado Júlio Delgado (PSB-MG).

A absolvição de Vadão contou com três votos de petistas ¿ Eduardo Valverde (RO), Anselmo (RO) e Neyde Aparecida (GO) ¿ que puderam votar depois que os deputados Chico Alencar (RJ) e Orlando Fantazzini (SP), ambos do PSOL, renunciaram ao cargo. Também absolveram Vadão dois deputados do PP, Márcio Reinaldo (MG) e Feu Rosa (ES), dois do PFL, Edmar Moreira (MG) e Jairo Carneiro (BA), e o deputado Josias Quintal (PSB-RJ).

¿ Parece que a nova composição do conselho não acatou meu parecer. Dois votos fariam diferença ¿ lamentou o relator Moroni Torgan (PFL-CE).

Vadão evitou comemorar a decisão dos colegas

Vadão evitou comemorar de forma efusiva. Declarou que a batalha pela sua absolvição está apenas começando. O presidente do Conselho, Ricardo Izar (PTB-SP) terá de nomear um deputado para fazer novo relatório a favor da absolvição. Relator derrotado, Torgan disse que há registros de que Vadão conversou, por telefone, com Delúbio nos dias 22 e 24 de junho e com Valério nos dias 28 e 29 do mesmo mês. Em 5 de julho, Vadão teria recebido uma parte dos recursos. Em 30 de julho, Valério ligou para o telefone de Vadão e no dia 16 de agosto, teria recebido outra parcela do dinheiro.

¿ A lista de beneficiários apresentadas por Valério foi toda confirmada. O único injustiçado foi o Vadão. Mas os telefonemas dados por Delúbio e Marcos Valério, dias antes da entrega do dinheiro, são indícios fortes. Por que será que alguém, que nunca ligou para o deputado Vadão, liga justamente na véspera? ¿ indagou.

Vadão retrucou:

¿ Não posso assumir aquilo que não fiz e injustamente me imputaram.

Foram cassados os mandatos de apenas três acusados: Roberto Jefferson (PTB-RJ), José Dirceu (PT-SP) e Pedro Corrêa (PP-PE). O plenário absolveu nove deputados, além de Josias: Sandro Mabel (PL-GO), Pedro Henry (PP-MT), Romeu Queiroz (PTB-MG), Roberto Brant (PFL-MG), Professor Luizinho (PT-SP), João Magno (PT-MG), João Paulo Cunha (PT-SP), Wanderval Santos (PL-SP) e José Mentor (PT-SP).

Outros quatro beneficiários do valerioduto renunciaram : Carlos Rodrigues (PL-RJ), Valdemar Costa Neto (PL-SP), Paulo Rocha (PT-PA) e José Borba (PMDB-PR).

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