Título: O inimigo que fica na guarita
Autor: Fernanda Pontes e Simone Candida
Fonte: O Globo, 04/05/2006, Rio, p. 18

Segundo sindicato, vigilantes estão envolvidos em 70% dos assaltos onde há segurança clandestina

Em cerca de 70% dos casos de assaltos a residências, indústrias e lojas onde há seguranças clandestinos trabalhando, o crime é facilitado por um dos vigilantes. A estimativa é do Sindicato de Empresas de Segurança Privada do Estado do Rio de Janeiro (Sindesp-RJ), que alerta para os riscos de se contratar um profissional não qualificado para cuidar de condomínios, lojas e ruas. Atualmente, segundo dados do Sindicato dos Vigilantes do Rio, um exército de 150 mil seguranças trabalha clandestinamente em todo o estado. Com isso, há uma média de um profissional em situação regular para cada três ilegais. O número de clandestinos é mais que o triplo de todo o efetivo das polícias Civil e Militar (48.118). Segundo a Polícia Federal, somente este ano foram feitas 80 denúncias contra empresas ilegais.

Despreparados, esses seguranças informais podem facilitar a ação de quadrilhas, como no caso do assalto à residência do senador Gilberto Mestrinho (PMDB), na Rua Capuri, em São Conrado, ocorrido em 17 de abril. Segundo a polícia, um vigilante que trabalhava há seis anos na guarita da rua planejou o crime. O suspeito, condenado a sete anos de prisão por roubo, estava foragido da Justiça.

Até cancelas são ilegais

Apesar de o Sindicato dos Vigilantes ter feito uma vistoria na Rua Capuri e constatado que os vigias trabalhavam ilegalmente, o esquema de segurança continua. Segundo a prefeitura, até as cancelas da via são ilegais. Com receio de passar informações, um dos vigilantes contou não saber o nome da empresa para a qual trabalha. Também não disse quem é o responsável pela firma. A Polícia Civil informou que está investigando a empresa, mas não divulgou o nome.

¿ Ele (o responsável) costuma vir aqui. Mas quando temos urgência em falar com ele vamos até sua casa, na Rocinha ¿ contou o segurança.

No Jardim Botânico, na Rua Eurico Cruz, onde ocorreu um assalto na noite de domingo, a segurança também continua sendo feita por firmas ilegais.

Ao todo são 150 empresas de segurança legalizadas no estado. O número das clandestinas pode ser o dobro, segundo o presidente do Sindicato dos Vigilantes, Fernando Bandeira:

¿ Qualquer pessoa pode abrir uma firma clandestina, basta conhecer um pouco o assunto ou ter contato com moradores e donos de lojas. Há casos de empresas formadas por uma pessoa que aluga uma sala e compra um computador. Em outros, um ex-policial militar fornece apenas o número do celular para colocar a firma em funcionamento.

De acordo com ele, os bairros que mais usam vigilância clandestina são Barra da Tijuca, Recreio, São Conrado, Campo Grande, Jacarepaguá e Centro. Na Barra, por exemplo, há 22 guaritas em 63 ruas do Jardim Oceânico e do Tijucamar. A maioria é clandestina, segundo o presidente da associação de moradores, Eric Pereira:

¿ A população fica com medo porque não vê policiamento nas ruas. O efetivo do 31º BPM (Barra) é insuficiente para cobrir uma área tão grande. Os grandes condomínios, como o Novo Leblon, podem pagar a empresas legalizadas. Já os moradores de prédios pequenos apelam para a segurança clandestina.

O problema se repete no Recreio. Cleomar Paredes, conselheiro da associação de moradores, afirma que o número de vigilantes ilegais é cada vez maior no bairro:

¿ Não temos estatísticas para provar, mas sabemos que isso está acontecendo. A associação é contra porque achamos que quem deve fazer a segurança é a PM ¿ disse Paredes, que já encaminhou ao batalhão uma reclamação, pedindo o cadastramento dos vigias pela PM.

A Polícia Federal afirma que é muito difícil reprimir esse tipo de atividade. Segundo delegado do Núcleo de Operações da Delegacia de Controle da Segurança Privada, Alcyr Vidal, a PF recebeu 80 denúncias de empresas em situação irregular este ano. Dessas, 28 foram autuadas:

¿ Elas trabalham como camelôs, vendem um produto ilegal a um preço mais barato. Algumas pessoas preferem pagar menos pelo serviço, sem se importar com os riscos.

Segundo o delegado, quando a firma é legal, a Polícia Federal arquiva informações importantes, como os nomes de todos os seguranças e os registros de todas as armas usadas. Se houver problema, a PF pode identificar qualquer vigilante.

Falta treino, diz sindicato

O presidente do Sindicato de Empresas de Segurança Privada do Rio, Frederico Carlos Camara, disse que os riscos de se contratar vigilantes clandestinos é enorme, devido à possibilidade de os seguranças ilegais, que conhecem a rotina de moradores e empregados, facilitarem a ação dos bandidos.

¿ Num eventual conflito, pessoas inocentes podem ser feridas porque os vigias nunca receberam qualquer treinamento.

Para trabalhar como segurança numa empresa legalizada, o candidato precisa passar por uma série de provas, incluindo exame psicotécnico. Também é necessário apresentar, entre outras, a certidão negativa criminal, atestando que não teve passagem pela polícia.

Valdinei Amado dos Anjos, por exemplo, passou 15 dias fazendo cursos, até de primeiros socorros, para atuar como vigilante de uma empresa legalizada. Ele disse ainda que a cada seis meses precisa atualizar sua ficha na Polícia Federal:

¿ Para ser vigilante é preciso ter uma vida correta ¿ disse.