Título: GÁS TAMBÉM É COMBUSTÍVEL POLÍTICO
Autor: Monica Tavares
Fonte: O Globo, 04/05/2006, Economia, p. 28

Rússia usa `commodity¿ para recuperar prestígio internacional

A delicada relação de dependência entre nações produtoras e consumidoras de gás natural ¿ e o seu uso político ¿ não é privilégio exclusivo de Brasil e Bolívia. No início do ano, por exemplo, a Rússia decidiu reduzir em 25% o fornecimento de gás para a União Européia (UE), em meio a uma queda-de-braço sobre preços com Ucrânia e Moldávia.

A Rússia fornece aproximadamente um quarto do gás natural consumido pela UE, entregue através de um gasoduto que atravessa a Ucrânia. Com o frio e o consequente aumento do consumo, a Rússia passou a cobrar da Ucrânia e Moldávia o que a estatal russa do setor, a Gazprom, considerava ser preços de mercado. Os dois países se recusaram a pagar os novos valores, gerando um impasse e levando o governo de Moscou a ameaçar cortar o fornecimento de gás, afetando por tabela a UE.

À época, a crise também foi vista como uma tentativa da Rússia de recuperar o seu prestígio político, usando o fornecimento de gás natural como instrumento. Não é de se estranhar, uma vez que a Rússia é o maior produtor mundial da commodity, com reservas estimadas em 50,4 trilhões de metros cúbicos, segundo dados da Agência de Informação de Energia (EIA, da sigla em inglês) de janeiro de 2006. Este número é mais de 50 vezes maior do que a produção dos campos bolivianos (0,72 trilhões de metros cúbicos) e quase o dobro do manancial do Irã, o segundo colocado no ranking, com uma produção de 29,13 trilhões de metros cúbicos.

Mais recentemente, a Rússia acenou com a construção de um gasoduto para abastecer a China e o resto da Ásia, o que poderia implicar numa redução do volume atualmente exportado para a UE. A demanda chinesa por gás e petróleo justificaria os investimentos, mas novamente analistas vêem ali uma tentativa do Kremlim de usar seus recursos energéticos para tecer alianças políticas com a Europa e a Ásia. (Paulo Thiago de Mello)