Título: Dupla Lula-Kirchner enfrenta Morales-Chávez
Autor: Eliane Oliveira e Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 04/05/2006, Economia, p. 29

Reunião hoje terá de um lado compradores de gás, Brasil e Argentina, e do outro, os fornecedores Bolívia e Venezuela

PUERTO IGUAZÚ (Argentina). Na reunião presidencial entre Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela que ocorre hoje na cidade argentina de Puerto Iguazú se discutirá muito mais do que a crise provocada pela nacionalização das reservas bolivianas. O encontro mostrará que, ao menos na área de energia, há uma clara polarização na América do Sul. De um lado, os fornecedores Hugo Chávez (Venezuela) e Evo Morales (Bolívia), que fortaleceram sua aliança ontem à noite, durante um jantar de trabalho no Palácio Quemado, em La Paz, sede do governo boliviano. Do outro, Luiz Inácio Lula da Silva e o argentino Néstor Kirchner, compradores de gás natural da Bolívia, que tentarão a todo custo evitar que seus países enfrentem altas excessivas de preços.

A rápida passagem de Chávez pela Bolívia foi mais uma prova do forte vínculo entre os dois governos. Entre as vantagens oferecidas pela Venezuela aos bolivianos estão a compra de soja, a concessão de bolsas de estudo, a promessa de construir uma petroquímica e o asfaltamento de estradas.

Desconfiança quanto à influência de Chávez

Essa parceria entre os dois países com maiores de reservas de gás da América do Sul desperta preocupação entre alguns integrantes do governo brasileiro, que desconfiam de que Morales estaria sendo influenciado por Chávez no processo de nacionalização. Fortalecido pelo apoio incondicional de seu colega venezuelano, Morales chegará ao encontro praticamente inflexível.

¿ Se as empresas (leia-se Petrobras) não aceitarem as novas regras, haverá confisco. É pegar ou largar ¿ afirmou uma fonte do governo boliviano.

Em entrevista ao jornal argentino ¿Clarín¿, o ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Soliz Rada, criticou a ação da Petrobras em seu país e não descartou novas alterações no decreto que começou a vigorar no último dia 1º de maio.

¿Primeiro faremos auditorias nos dois campos petrolíferos (San Alberto e San Antonio, operados pela Petrobras) e depois teremos três cenários: manter a relação de 18% do faturamento para a empresa e 82% para o Estado boliviano; aumentar a parcela do Estado; ou reduzi-la. Como último recurso, se a empresa não aceitar, será confiscada¿, disse Soliz ao jornal argentino.

Segundo o assessor para Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, além da questão dos preços, será formalizado na reunião um convite à Bolívia para que o país andino participe do projeto de construção do gasoduto que cortará a América do Sul, já em discussão por Brasil, Venezuela e Argentina. Sobre o preço do gás, Garcia assegurou que o Brasil exigirá o cumprimento dos acordos assinados.

¿ Já existe um critério para o reajuste de preços a cada três meses. Se a Bolívia quiser fazer modificações, teremos de analisar o pedido ¿ afirmou Garcia. ¿ Nós precisamos do gás boliviano, mas eles também precisam de nós.

O encontro de hoje foi largamente discutido por integrantes do governo brasileiro em reuniões que duraram todo o dia de ontem no Palácio do Planalto e no Itamaraty. Embora a construção de um gasoduto ligando a América do Sul figure entre as alternativas para garantir a segurança energética na região, a idéia pode não vingar, devido aos conflitos recentes.

Ontem, em entrevista À rede de TV TeleSur, Morales disse que o governo está disposto a conversar com as empresas de petróleo estrangeiras, mas que não modificará o decreto.

¿ O diálogo sempre estará aberto, é importante o diálogo, mas não se modifica o decreto ¿ disse Morales, que negou as versões de que a Bolívia vai confiscar os ativos das empresas.