Título: Oposição boliviana defende negócios com Brasil
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Fonte: O Globo, 04/05/2006, Economia, p. 30

Líder do Comitê Cívico teme confronto entre indígenas e hispânicos. Greve contra nacionalização é cancelada

LA PAZ. Na semana em que o presidente Evo Morales nacionalizou as empresas de petróleo que operam na Bolívia, provocando uma onda de euforia cívica no país, surge uma voz contra a medida. O neurocirurgião Germán Antelo, presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz de La Sierra, um dos principais focos de oposição a Morales, foi aos meios de comunicação bolivianos convocar uma greve de 24 horas em seu departamento (estado) ¿ que foi cancelada ¿ para cobrar autonomia administrativa. Antelo, entusiasmado defensor da ampliação dos negócios com o Brasil, teme que a animosidade entre a região ocidental da Bolívia, de maioria indígena e dominada pelo partido de Morales, o Movimento ao Socialismo (MAS), e a oriental, mais hispânica, leve a um futuro confronto interno.

¿ A visão indigenista populista, baseada em conceitos raciais, produz um ambiente negativo no país. Os indígenas são contra os mestiços (de origem hispânica). O MAS está fomentando a divisão e tentando romper com os departamentos de Santa Cruz, Beni e Tarija. Há o risco de enfrentamento ¿ afirmou ao GLOBO.

Movida pelo agronegócio, principalmente a soja, Santa Cruz de la Sierra tem hoje melhores resultados econômicos do que a capital La Paz. Há profundas diferenças geográficas e sociais entre as duas cidades. La Paz é alta (3.600 metros de altitude) e seu potencial econômico (na área mineral) está praticamente esgotado. Já Santa Cruz está situada numa região favorável à agropecuária. Nos departamentos vizinhos, ao Sul, estão as maiores reservas de gás do país, razão pela qual a sede da Petrobras fica na cidade.

O ambiente para os investidores do Brasil em Santa Cruz é promissor: há mais de 500 brasileiros ligados à produção de soja. Para Antelo, a saída econômica para a Bolívia é ampliar os negócios com o Brasil. Ele não esconde sua insatisfação com a atitude de Morales:

¿ Esse foi o pior exemplo que o governo poderia dar. O perigo é perder a seriedade com o Brasil ao deixamos de garantir a segurança jurídica da qual os investimentos necessitam.

Antelo não engrossa o coro dos bolivianos que ainda sonham com o acesso para o mar, perdido para o Chile no século XIX. Para o médico, o desenvolvimento econômico e social da Bolívia está ligado ao Brasil e depende essencialmente de transferência de tecnologia, conhecimento e investimentos do vizinho.

¿ A saída para a Bolívia é uma relação de sócio muito mais amigável com o Brasil ¿ disse Antelo. ¿ O Brasil é uma potência internacional. Temos de aprofundar o intercâmbio. Não há outra alternativa.

Acusado pelos líderes indigenistas de representar a elite oligárquica boliviana, Antelo nega que o seu comitê estivesse por trás dos protestos em Puerto Suárez contra o governo federal, que vetou o funcionamento da siderúrgica brasileira EBX, de Eike Batista. Os manifestantes chegaram a fechar a fronteira com o Brasil e a deter três ministros de Estado.

¿ A acusação do governo é uma mentira total ¿ disse Antelo. ¿ Eles também dizem que somos separatistas, mas nunca houve divisão. Defendemos uma Bolívia unida e solidária. O temor deles é perder o controle sobre Santa Cruz.

Nas ruas de la Paz, população apóia Evo Morales

No coração de La Paz, o Largo de São Francisco é uma espécie de termômetro político do país, onde um ato público ou uma passeata podem eclodir a qualquer instante. Ontem, os discursos lá tinham a mesma retórica: a euforia cívica causada pela nacionalização das empresas de petróleo, uma espécie de ¿o gás é nosso¿. Os bolivianos ficaram aliviados com a tímida reação brasileira e a maioria dos discursos pedia apoio a Morales, um indígena ¿como nós¿, diziam.

Um dos discursos que mais atraía a atenção era o do filósofo Juan Monastérios, do Movimento Original Popular de Libertação, ligado aos indígenas bolivianos. Ele garante que mais de 80% da população apóiam Morales:

¿ Não queremos expulsar as empresas, mas o direito soberano às riquezas naturais do país ¿ afirmou. ¿ Queremos manter os investimentos no país. Entendemos que, para sermos fortes, todos os países latinos precisam se integrar.