Título: MOUSSAOUI: FRIEZA E FANATISMO
Autor:
Fonte: O Globo, 04/05/2006, O Mundo, p. 33

Comportamento errático do acusado gerou confusão no tribunal

Pais marroquinos, criado na França, transformado em fanático muçulmano na Inglaterra, treinado no Afeganistão e preso nos Estados Unidos, o francês Zacarias Moussaoui pode ser considerado a face emblemática do novo terror islâmico globalizado que surpreendeu o mundo em 11 de setembro de 2001. O país onde nasceram ou onde se encontram os alvos de seus atos terroristas ou a nacionalidade das vítimas são o que menos importa para esses militantes que tiram de uma interpretação torta do sagrado Alcorão suas justificativas de vida. Para eles ¿ e assim foi para Moussaoui ¿ tudo e todos, em qualquer lugar, podem ser um potencial inimigo, desde que vistos como obstáculos à uma ordem islâmica radical que querem implantar mundo afora.

Crescido nos subúrbios da França, que recentemente explodiram em chamas nas revoltas de uma juventude rejeitada sobretudo de ascendência árabe, Moussaoui estudou em Londres e provavelmente foi lá que teve seu encontro com o radicalismo islâmico. Freqüentador da mesquita de Finsbury Park, um conhecido centro de radicalismo, ele se tornou um cidadão do mundo ¿ do terror. No Afeganistão, passou três anos a partir de 1997, segundo ele mesmo afirmou, treinando para ser um mensageiro da morte da al-Qaeda, a mortífera organização de Osama bin Laden. Nos Estados Unidos, teve aulas de vôo para realizar o que indicou ser seu objetivo-mor, que por causa de uma prisão por problemas com seu visto nunca chegou a se concretizar: transformar-se em mártir num ataque aéreo suicida à Casa Branca.

¿ Ele era um pouco mais rabugento do que alguns dos outros. E um pouco mais mandão ¿ recorda Brenda Keene, da Airman Flight School, onde ele treinou.

A defesa do terrorista no tribunal de Alexandria, na Virgínia, tentou transformar fanatismo em fragilidade mental com os depoimentos de suas irmãs, segundo as quais todos os filhos foram maltratados por um autoritário pai marroquino na infância e na adolescência, o que teria deixado importantes seqüelas psicológicas em toda a família.

¿ Ele quase matou todos nós. Era um homem que nunca deveria ter tido filhos ¿ disse Djamilla Moussaoui.

Nadia Moussaoui completou:

¿ Eu também sofro de psicose com tendências esquizofrênicas.

Verdadeira ou não a argumentação, Moussaoui mostrou no julgamento importar-se pouco com as seqüelas psicológicas que o 11 de Setembro deixou nos outros: por vezes zombava do sofrimento dos parentes das vítimas ou parecia totalmente indiferente aos relatos de sobreviventes que escaparam às chamas no Pentágono. Disse também que comemorou a queda das Torres Gêmeas do World Trade Center, em Nova York, onde cerca de três mil pessoas de dezenas de nacionalidades diferentes perderam a vida.

¿ Louco ou não louco? Eis a questão ¿ gritou no tribunal, numa sinistra paródia do personagem de Shakespeare, como que para confundir ainda mais os jurados que levaram sete dias para chegar a um veredicto sobre seu destino. Anteriormente, ele mesmo já surpreendera a todos ao romper o silêncio que mantinha e testemunhar contra si próprio, contrariando até sua atônita defesa, cujo trabalho foi dificultado por seu comportamento errático: ele se recusava a cooperar e até a comunicar-se com os advogados. Com tudo isso, para muitos permanece no ar a pergunta: é Zacarias Moussaoui o que realmente dizia ser, um importante agente de Bin Laden, ou um lunático que tentou criar para si o destino ¿ a seus olhos grandioso ¿ de mártir islâmico?