Título: CHINA MAIS DISTANTE DAS BÊNÇÃOS DE BENTO XVI
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Fonte: O Globo, 04/05/2006, O Mundo, p. 35

Nomeação de dois bispos sem autorização do Papa põe em risco esforço para aproximar Pequim e Vaticano

PEQUIM. Pela segunda vez em quatro dias, a igreja católica controlada pelo governo chinês nomeou ontem um novo bispo sem a bênção do Papa Bento XVI, comprometendo esforços diplomáticos para melhorar as relações entre Pequim e o Vaticano. O padre Liu Xinhong foi consagrado bispo de Wuhu, na província de Anhui, no leste do país. Domingo, o padre Ma Yinling fora nomeado bispo de Kunming, na província de Yunnan, no sudoeste da China.

Desde sua nomeação, em abril do ano passado, Bento XVI não esconde seu interesse em melhorar as relações com a China, que não reconhece sua autoridade. Mas para Joseph Zen, recentemente promovido pelo Papa a cardeal de Hong Kong ¿ e que tem procurado promover o diálogo entre as duas partes ¿ esse diálogo agora deverá ser interrompido pelo menos até que a China responda por suas ações ¿muito desleais e rudes¿.

¿ Acho que já não é mais possível ter qualquer confiança mútua. Isto é muito prejudicial para o relacionamento. Acho que não pode ficar pior do que está ¿ disse ele.

Segundo o cardeal, o Vaticano afirmara que Liu ¿ que é muito próximo do governo chinês ¿ não estava qualificado para se tornar bispo e pedira mais tempo para analisar o caso de Ma. Anteontem, depois da consagração de Ma, Zen já defendera a suspensão das negociações para o restabelecimento das relações entre China e Santa Sé.

¿ Pequim destruiu a confiança que lhe concedemos. Eles negociam e depois nos impõem um fato consumado. É realmente uma atitude ruim e verdadeiramente desleal ¿ declarou.

Nos últimos anos, procurando melhorar suas relações, China e Vaticano chegaram a um entendimento de que a nomeação de padres e bispos pela igreja estatal chinesa seria submetida a aprovação do Papa. Com as duas novas nomeações, o acordo foi claramente rompido.

Tentativa da China de testar a influência de Bento XVI

Um terço ou mais dos cerca de 12 milhões de católicos chineses têm freqüentado igrejas clandestinas (leais ao Vaticano) ao longo de décadas de repressão religiosa, iniciada quando os comunistas chegaram ao poder, em 1949. Nos anos 80, uma redução das restrições religiosas levou muitos clérigos da igreja estatal a buscar a bênção do Papa, que em geral não se negou a dá-la. Segundo o padre Bernardo Cervellera, diretor da agência de notícias AsiaNews, 85% dos bispos chineses têm aprovação do Vaticano. Em 2004, a China tinha 120 bispos, 74 dos quais da igreja estatal, de acordo com o Centro de Estudos Espírito Santo, em Hong Kong.

Liu se tornou bispo em cerimônia numa catedral diante de centenas de fiéis. A TV o mostrou com uma túnica e o chapéu dos bispos agradecendo a Deus por seu novo posto. Vice-presidente da Associação Católica Patriótica da China, Liu Bainian ¿ que responde pela igreja estatal ¿ negou que as novas nomeações ameacem as negociações com o Vaticano, sugerindo que seus críticos são politicamente motivados.

Para a freira Beatrice Leung, especialista em relações entre China e Vaticano na Universidade Ursulina Wenzao, em Taiwan, as nomeações podem ser parte de uma tentativa de Pequim de ver até que ponto Bento XVI tem influência sobre os católicos do país. Ela observou que o Vaticano tem evitado críticas a nomeações sem sua aprovação.