Título: O gás e o voto
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 05/05/2006, O GLOBO, p. 2

Os presidentes reunidos ontem em Puerto Iguazú dissimularam incômodos e a divisão em duplas (com Chávez no papel de mentor de Morales) para reforçar a imagem de unidade. Brasil e Argentina deram curso à opção diplomática pelo diálogo, assegurando a continuidade do fornecimento do gás boliviano. Já as negociações sobre preços serão atravessadas por uma eleição aqui e outra na Bolívia. Elas vão contar.

Para o Brasil, outro resultado prático foram as garantias de integridade do patrimônio da Petrobras na Bolívia. Parece clara uma divisão de tarefas. Lula e o chanceler Celso Amorim seguirão usando a macia linguagem diplomática e a retórica da integração, deixando que a Petrobras fale duro e procure de fato os caminhos judiciais, dentro e fora da Bolívia, em defesa de seus interesses e dos acionistas. Mas se anteontem seu presidente José Sergio Gabrielli anunciou que resistiria a qualquer aumento nos preços, a Cúpula do Gás terminou com a aceitação, por Argentina e Brasil, de negociações bilaterais para a revisão deles. Gabrielli anunciou o fim dos investimentos da empresa na Bolívia e foi chamado de chantagista por Morales. Lula foi evasivo, dizendo na entrevista coletiva que a empresa tem autonomia para investir onde achar conveniente. Fontes do Itamaraty dizem que será assim mesmo. A Petrobras agirá como empresa, Lula como chefe de Estado. Ao diálogo, restaria o confronto, que só tornaria as coisas piores. Alguns, no Brasil, dizem os diplomatas, parecem ter desejado que se optasse pelo confronto, quem sabe valendo-se também das tropas de fronteira para defender as instalações.

A histeria é nociva neste movimento, ouve-se ainda no Itamaraty. Outros países, inclusive o Brasil, já nacionalizaram seu petróleo. Mas não da mesma forma, admitem. Apesar da ¿unidade¿ demonstrada ontem, são grandes as queixas sobre a ¿ambiguidade¿ de Hugo Chávez, que teria influenciado Morales inclusive sobre a forma espetaculosa da nacionalização, plena de desconsideração para com o Brasil, vizinho e amigo que ali investe desde o governo passado com inspiração cooperativa.

Mas para o contexto eleitoral, o que importa são as negociações sobre o preço do gás, que têm impacto sobre a economia e os preços internos.

Morales precisa fazer a maioria na Assembléia Constituinte que será eleita em julho. Um de seus motivos teria sido a perda de popularidade em sua base social-eleitoral, os movimentos sociais, indígenas e sindicais, além de uma elite intelectual que o apóia. Para ele, qualquer resultado antes de julho talvez não interesse. Soaria insatisfatória diante das expectativas traduzidas por aquelas faixas afixadas nas refinarias cercadas: ¿Propriedad de los bolivianos¿. Para Lula também é conveniente evitar qualquer aumento antes de primeiro de outubro, dia da eleição. Por tudo, as negociações devem se esticar, talvez além dos 180 dias.