Título: Bispo Rodrigues e Ronivon presos
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 05/05/2006, O País, p. 3

PF prende mais 44 pessoas acusadas de corrupção na saúde, entre elas 12 assessores parlamentares

Em uma megaoperação de combate à corrupção, a Polícia Federal prendeu ontem os ex-deputados Carlos Rodrigues (PL-RJ) e Ronivon Santiago (PP-AC) e mais 44 pessoas, entre assessores parlamentares, empresários, comerciantes e funcionários públicos acusados de envolvimento com um esquema de fraudes em compras de ambulâncias e equipamentos hospitalares por prefeituras. Entre os presos estão 12 assessores de parlamentares federais. Relatório reservado da polícia, obtido pelo GLOBO, indica que o número de envolvidos pode ser ainda maior.

Numa conversa gravada pela PF, com autorização judicial, o empresário Luiz Antônio Trevisan Vedoin, apontado como o chefe da organização, se vangloria da base parlamentar que estaria a serviço da quadrilha. Depois de reclamar das exigências de uma deputada do Rio, Vedoin minimiza o caso.

¿ Mais uma coisa: a gente trabalha com mais de 60 aí, cê sabe disso; problemas tem, com certeza, mas o negócio dela é tudo problemático ¿ diz Vedoin, na gravação.

Para a PF, o número 60 seria uma referência a parlamentares e assessores comprometidos com o bando. Cópias do relatório, elaborado a partir de recomendação da Justiça Federal de Mato Grosso, foram encaminhadas à Câmara, ao Senado, à Procuradoria-Geral da República e até ao Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá agora ao procurador-geral, Antônio Fernando de Souza, pedir autorização ao STF para aprofundar as investigações. Se julgarem conveniente, as Mesas da Câmara e do Senado também podem determinar abertura de processos.

O relatório apresenta a descrição de longas conversas de integrantes da organização. Eles negociam emendas, acertam partilhas de dinheiro, anotam números de contas bancárias, tramam assassinatos e fazem referências diretas a parlamentares. Nessas negociações citam as deputadas Laura Carneiro (PFL-RJ), Elaine Costa (PTB-RJ) e Edna Macedo (PTB-SP). Também estão na lista os deputados Paulo Baltazar (PSB-RJ), pastor João Mendes de Jesus (PSB-RJ), Reginaldo Germano (PP-BA), Nilton Capixaba (PMDB-ES), Marcelino Fraga (PMDB-ES), Wellington Fagundes (PL-MT), pastor Vieira Reis (PRB-RJ), pastor José Divino (PMDB-RJ), pastor Pedro Ribeiro (PMDB-CE), Marcos Abramo (MG), Benedito Dias (PP-AP), Alceste Almeida (PTB-RR), Maurício Rabelo (PL-TO) e o senador Ney Suassuna (PMDB-PB).

Acusada lotada em gabinete de ministro

Um dos assessores parlamentares presos é Octávio José Bezerra Sampaio, o Tavinho, filho da deputada Edna Macedo e sobrinho do bispo Edir Macedo, chefe da Igreja Universal, seita à qual também pertencem dois parlamentares citados no relatório da PF.

Numa das conversas, em 27 de dezembro passado, Vedoin, o suposto chefe, combina o pagamento de R$3 mil a homem identificado apenas como Guto, citado pela PF como assessor de Laura Carneiro. Extratos bancários obtidos pela polícia após a conversa confirmam o pagamento, feito pela conta de Rodrigo Medeiros de Freitas. Dois dias depois, numa conversa com outro cúmplice, Vedoin avisa que os R$4 milhões de uma emenda apresentada pela deputada seriam liberados. O dinheiro seria ¿destinado às empresas da organização¿.

Em outros trechos, Vedoin acerta com o assessor parlamentar Marco Antônio Lopes como pagar propina a uma mulher ligada a ele. Lopes, assessor da deputada Elaine Costa, questiona a Vedoin se ele vai conseguir resolver o ¿negócio dela¿.

Os dois tratam de emendas para compras em Tanguá e São Gonçalo. Numa outra conversa, com uma assessora, Vedoin apresenta uma longa lista com quem a organização precisa acertar contas. O empresário informa os nomes dos beneficiários e diz que a assessora precisa tomar cuidados. Diz, por exemplo, que R$15 mil devem ser depositados em espécie na conta do deputado Reginaldo Germano. ¿Dispensou-se conta de laranja¿, informam os investigadores, no relatório.

A polícia também flagrou Vedoin acertando com o assessor parlamentar Francisco Rodrigues a distribuição de R$2 mil. Deste montante, R$300 teriam de ser pagos a Paulinho, assessor do gabinete do deputado Paulo Baltazar. No decorrer das conversas, Vedoin e seus cúmplices mencionam emendas de Baltazar e de João Mendes de Jesus. ¿Luiz (Antonio Vedoin) indaga sobre os projetos relacionados aos deputados João Mendes e Paulo Baltazar¿, diz o relatório, citando pelo primeiro nome

A Polícia Federal sustenta, no entanto, que as investigações relacionadas aos parlamentares estão em fase inicial. Para a polícia, ainda não é possível afirmar com segurança se os deputados apresentaram emendas em benefício da organização criminosa por iniciativa própria ou se foram induzidos. ¿É possível que funcionários da Câmara e do Senado estejam fazendo uso indevido do nome de determinados parlamentares, em proveito próprio¿, pondera a PF.

Pelas informações da polícia, a organização procurava prefeitos e dirigentes de organizações não-governamentais interessados em comprar ambulâncias. O grupo simulava licitações e, em seguida, cooptava parlamentares para apresentar emendas ao Orçamento e obter dinheiro federal para as fraudes. Numa terceira etapa, os acusados subornavam servidores para apressar a tramitação dos projetos, principalmente no Ministério da Saúde.

Entre os principais acusados está Maria da Penha Lino, assessora do gabinete do ministro da Saúde, onde está desde outubro. Para a polícia, Penha e Jairo Langoni Carvalho, outro servidor do ministério, seriam peças-chaves do esquema de liberação de verbas para projetos de interesse do grupo de Luiz Antônio.

O Ministério da Saúde informou ontem que os servidores envolvidos serão exonerados dos cargos em comissão e que vai instaurar processo de investigação. O ex-ministro da Saúde Saraiva Felipe contou que foi avisado pela CGU há três meses sobre investigações que envolviam servidores da pasta.

¿ Rezava para que não estourasse enquanto eu estava lá. Dentro do ministério há 17 inquéritos administrativos para apurar fraudes na compra de ambulâncias ¿ disse Saraiva.

Ele confirmou que nomeou Maria da Penha por indicação do deputado José Divino (PRB-RJ). A bancada do PMDB do Rio, segundo declarações gravadas pela PF, também teria apoiado a nomeação da servidora.