Título: BRASIL AVANÇA NO ENRIQUECIMENTO DE URÂNIO
Autor: SERGIO MACHADO REZENDE
Fonte: O Globo, 05/05/2006, Opinião, p. 7

Estendeu-se por 53 anos o esforço da Petrobras para assegurar, ao Brasil, a auto-suficiência na produção de petróleo. Nessa trajetória, a maior empresa nacional enfrentou campanhas difamatórias, crises econômicas e obstáculos tecnológicos. Venceu todos eles, até alçar o país ao reduzido grupo dos 12 maiores produtores de petróleo do mundo. Hoje o Brasil detém a mais avançada tecnologia para prospecção de hidrocarbonetos em águas profundas, o que só foi possível com o trabalho de gerações de cientistas, pesquisadores e técnicos comprometidos com o desenvolvimento de um setor absolutamente estratégico. A luta de mais de meio século orgulha todos os que, por algum gesto, somaram em favor de seu êxito.

Hoje, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugura as duas primeiras unidades de enriquecimento de urânio das Indústrias Nucleares do Brasil, empresa estatal instalada em Resende (RJ), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Trata-se de marco histórico no Programa Nacional de Atividades Nucleares, resultado do esforço de 50 anos de cientistas, pesquisadores e técnicos brasileiros para dotar o país de um programa nuclear completo, desde a formação e a capacitação de quadros até o domínio integral do ciclo de combustível de urânio. O programa tem finalidades inteiramente pacíficas e recebeu a aprovação integral da Agência Internacional de Energia Atômica. Apenas outros nove países desenvolvem hoje um programa nuclear com a amplitude do brasileiro.

Até 2010, mais oito unidades de enriquecimento deverão operar na INB, o suficiente para atender a 60% da demanda de recargas das usinas nucleares de Angra 1 e 2, localizadas no Rio de Janeiro. A expectativa é de que a auto-suficiência do Brasil em urânio enriquecido seja atingida em 2016, considerando-se o abastecimento total das usinas de Angra 1, 2 e 3. A retomada da construção desta última, também no Rio de Janeiro, faz parte do Plano Decenal de Expansão de Energia Elétrica, divulgado em março passado pelo Ministério das Minas e Energia, que prevê a operação de Angra 3 em janeiro de 2013.

Para o Brasil, a auto-suficiência na produção de urânio enriquecido é tão estratégica quanto a auto-suficiência na produção de petróleo. A energia nuclear terá um importante papel no século 21, em decorrência de dois grandes fatores. O primeiro deles é a crise mundial na produção de petróleo que, segundo os especialistas, irá se instalar nos próximos 20 ou 30 anos. O segundo é o desafio do aquecimento global.

A aposta tecnológica em energias renováveis, como a eólica e a solar, em substituição aos combustíveis fósseis, não se mostra viável em larga escala. A cada estudo, a energia nuclear se afirma como alternativa capaz de atender a demandas de grande dimensão, de forma limpa e segura. Opinião que passou a ser compartilhada até por líderes de movimentos ambientalistas, como o cientista britânico James Lovelock, criador da Teoria de Gaia e um dos pioneiros das pesquisas sobre o efeito-estufa.

O Brasil já investiu R$2,1 bilhões em seu programa nuclear, com resultados expressivos, além da produção de combustível para usinas. A busca por minérios de urânio no nosso subsolo identificou a sexta maior reserva do mundo, em apenas 30% do território prospectado. O Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo detém a tecnologia para a fabricação de reatores de pequeno e médio portes (até 300 MW) e desenvolveu as ultracentrífugas, de tecnologia brasileira, instaladas na fábrica da INB em Resende. Os institutos de pesquisa da Comissão Nacional de Energia Nuclear já suprem a demanda anual de 2 milhões de procedimentos médicos com radiofármacos. Crescem ainda as aplicações em outros setores, como a irradiação de alimentos e o controle de pragas, o que ¿ ao lado da formação e da capacitação de quadros ¿- ombreia o programa nuclear ao dos países desenvolvidos.

O governo do presidente Lula apóia firmemente o programa nuclear brasileiro. Em três anos, seu orçamento foi ampliado em 63%, de R$71 milhões em 2003 para R$116 milhões em 2005. Para 2006, os recursos são da ordem de R$233 milhões. Em perspectiva de médio prazo, os números se agigantam. Segundo projeções do governo, o programa nuclear requer, em 18 anos, investimentos, públicos e privados, de R$27,3 bilhões, suficientes para alargar a participação da geração elétrica termonuclear na matriz energética brasileira, dos atuais 2% para o mínimo de 4%. Todos os cenários contemplam, como ponto de partida, a operação da usina de Angra 3.

Não faltam, portanto, desafios ¿ como não faltaram aos que venceram a luta pela auto-suficiência na produção de petróleo. Vamos superá-los. O Brasil é um país privilegiado por dispor, dentro de suas fronteiras, de variadas fontes de energia, sobre as quais detêm domínio tecnológico. São poucos os países com iguais recursos estratégicos. Abrir mão de algum deles, quando se avolumam as dúvidas mundiais sobre os próximos cenários energéticos, poderá comprometer nosso futuro.

SERGIO MACHADO REZENDE é ministro da Ciência e Tecnologia.

N. da R.: Luiz Garcia volta a escrever neste espaço nos próximos dias.