Título: PRESIDENTE DO TSE: CORRUPÇÃO DIVIDE O BRASIL
Autor: Isabel Braga
Fonte: O Globo, 05/05/2006, O País, p. 11

Na posse no Tribunal, Marco Aurélio ataca impunidade e diz que não vai se vergar a `mirabolantes projetos de poder¿

BRASÍLIA. Ao tomar posse ontem à noite como o novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Marco Aurélio de Mello se manteve fiel ao seu estilo e, com um discurso afiado, criticou os políticos e autoridades envolvidos em escândalos e suas ¿deslavadas e grosseiras mentiras¿. Condenou a banalização da corrupção no país que, segundo ele, vive um ¿fosso moral e ético¿. Para o ministro, há no país um ¿segmento da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura¿.

Sem citar nomes, o novo presidente do TSE disse que essa situação leva o Brasil a viver um cenário de faz-de-conta, com os personagens da crise agindo como se nada de mal tivessem feito.

Mentiras deslavadas e justificativas grosseiras

Marco Aurélio, que também é ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que o país vive tempos muitos estranhos, em que se tornou comum falar ¿dos descalabros que, envolvendo a vida pública, infiltraram na população brasileira um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância¿.

¿ São tantas e tão deslavadas as mentiras, tão grosseiras as justificativas, tão grande a falta de escrúpulos que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o país em dois segmentos estanques: o da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e o da grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforça-se para sobreviver e progredir ¿ disse o ministro.

Sem citar nominalmente o escândalo do mensalão, Marco Aurélio disse que se tornou comum também o indiciamento de autoridades públicas em crimes como o de formação de quadrilha.

¿ Não passa dia sem depararmos com manchetes de escândalo. Tornou-se quase banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões, não só por um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha. A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limite ¿ afirmou.

Para Marco Aurélio, que promete mais rigor na fiscalização e controle das eleições deste ano, a freqüência com que vêm ocorrendo as denúncias no país leva o povo a um comportamento de apatia:

¿ Uma apatia cada vez mais surpreendente, como se tudo fosse natural e como se todos os homens públicos tivessem sido igualmente desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, como se os erros passados justificassem os do presente ¿ disse, numa referência indireta à argumentação dos petistas, incluindo o próprio presidente Lula, de que a prática do caixa dois é recorrente no país e sempre foi praticada por todos os partidos.

Segundo Marco Aurélio, há no país o que chamou de ¿tática do avestruz: enterrar a cabeça para ver o vendaval passar¿. No entanto, disse acreditar que a sociedade, mesmo perplexa, percebe, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país de faz-de-conta.

¿ Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam, o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuarem agindo como se nada de mau houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais num prejuízo irreversível em um país de tantos miseráveis ¿ discursou.

Procurador-geral pede regras claras contra abusos

Marco Aurélio também não livrou o Judiciário de responsabilidade, quando tratou da impunidade dos acusados:

¿ Quem ousará discordar que a crença na impunidade é que fermenta o ímpeto transgressor, a ostensiva arrogância na hora de burlar todos os ordenamentos, inclusive os legais?

Apesar das críticas, o ministro disse estar seguro de que não haverá retrocesso institucional e que o país sairá mais forte da crise. Marco Aurélio também falou da importância do voto para se tentar mudar esse cenário, desestimulando o voto nulo ou em branco nas eleições de outubro.

O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, também discursou na solenidade, mas fez apenas ponderações sobre o risco da repetição de erros. Disse que o TSE precisa estabelecer regras seguras e claras para a propaganda eleitoral e normas que possam coibir os atos e abusos do poder político e econômico.

¿ Essas balizas devem servir de norte para as eleições que se avizinham ¿ disse Antonio Fernando.

Ao fim da solenidade, enquanto cumprimentava os presentes, o ministro Marco Aurélio afirmou:

¿ Meu recado não foi dado ao Planalto, mas a todos que se apresentem como candidatos a cargos políticos. Os candidatos têm de estar mais atentos. Eu falei o que está entalado na garganta de todos nós.