Título: `FILHA IGUAL A ESSA, NUNCA MAIS¿
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 05/05/2006, O País, p. 13

No depoimento, João Gomide chama assassino da filha de arrogante e prepotente

IBIÚNA (SP). Na primeira vez em que pôde olhar para o homem que matou a sua filha, cinco anos e oito meses depois do assassinato, o pai da jornalista Sandra Gomide, o aposentado João Florentino Gomide, classificou o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves de arrogante, prepotente e disse que sua vingança é vê-lo sair preso do Fórum de Ibiúna, onde é julgado desde anteontem. Gomide disse que não quer vingança, apenas justiça.

Pimenta Neves, que trocou de lugar com sua advogada para evitar ficar ao lado de Gomide, ouviu o depoimento cabisbaixo e com a mão escondendo o rosto. Por vezes, o assassino que confessou o crime orientava a defesa escrevendo bilhetes.

Depressão e três pontes de safena

No depoimento ao juiz e aos sete jurados, João Gomide descreveu ainda que Pimenta Neves gostava de se dizer poderoso e influente, amigo de ministros e secretários de Estado. Ao promotor Carlos Horta Filho, o aposentado contou o drama da família desde a morte de Sandra. Lembrou que passou a sofrer de atrofia diabética por conta do nervosismo após o brutal assassinato da filha, começou a ter falta de sensibilidade nos pés e nas pernas, além de piora de um problema no quadril, onde tem uma prótese, e teve que receber três pontes de safena por causa de problemas cardíacos. Sua mulher, segundo ele, passou a ter comportamento bipolar, oscilando momentos de euforia e depressão.

Emocionado, por vezes olhando para Pimenta, João Gomide falou sobre a relação que mantinha com a filha.

¿ Era a melhor coisa que eu tinha na vida. Queria perder tudo, menos minha filha. Filha igual a essa, nunca mais. Eu estou arrasado e passei a não acreditar mais em nada ¿ disse ele, lembrando ter pedido algumas vezes para que Pimenta Neves parasse de ameaçar sua filha, por conta do rompimento do namoro. ¿ Cheguei a dizer a ele que ele era um homem de cultura, que deveria parar de agir daquela maneira, mas não adiantou ¿ disse o aposentado.

Num dos momentos mais tensos do depoimento, o pai da jornalista relembrou o dia do crime. Contou ao juiz que recebeu Pimenta Neves em sua casa horas antes do assassinato, e que nunca esperava uma reação como essa do jornalista. Acompanhado da nora, utilizando uma bengala, João Gomide, respondeu aos advogados de defesa sobre um dinheiro que deveu a Pimenta Neves por algum tempo por conta de uma negociação de troca de veículos.

¿ Fiquei devendo R$5 mil e ele ficava cobrando minha filha para que eu o pagasse. Demorei para pagar, mas paguei, em duas vezes.

A advogada também perguntou se Sandra tinha cavalos antes de conhecer o jornalista. O pai disse que sim. Ao ser indagado se a filha já havia passado por tratamento psicológico, foi taxativo:

¿ Não, ela só tomava remédios homeopáticos. Minha filha tinha uma saúde de ferro.

¿Não tenho instinto de matador¿, diz pai da vítima

Mais tarde, outro advogado de Pimenta, Carlos Frederico Muller, lembrou que no depoimento ele havia dito que não se trata de pessoa vingativa, embora tenha feito declarações na imprensa de que pretendia fazer justiça com as próprias mãos.

¿ Falei isso no passado, não tenho mais essa vontade. A única vingança é que ele pague pelo que fez. Não tenho instinto de matador. Só quero justiça.