Título: PIMENTA PLANEJOU ASSASSINATO, DIZ DONO DO HARAS
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 05/05/2006, O País, p. 13

Ele me enrolou para esperar a Sandra chegar e depois matá-la. Não tenho medo de dizer isso¿, afirma empresário

IBIÚNA (SP). O casal proprietário do Haras Setti, local onde o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves matou com dois tiros a namorada, a também jornalista Sandra Gomide, disse ontem considerar que o assassinato foi premeditado, e não provocado por forte emoção, a tese dos advogados de defesa. Logo depois de prestar depoimento, o empresário Delmar Setti e sua mulher, Marlei Setti, disseram que Pimenta passou boa parte da manhã do dia 28 de agosto de 2000, data do crime, conversando com eles e com funcionários do haras, sem demonstrar qualquer alteração de comportamento.

¿ Eu não posso provar que foi premeditado, mas eu não tenho dúvidas. Basta ver o tempo que ele ficou comigo (no dia do crime). Ele me enrolou o tempo todo para esperar a Sandra chegar e depois matá-la. Eu não tenho vergonha nem medo de dizer isso ¿ disse Setti, aos jornalistas, na porta do Fórum de Ibiúna.

Antes do crime, cerveja

Pouco antes, em depoimento aos jurados, o empresário deu detalhes sobre o período antes da morte de Sandra. Disse ao juiz Diego Ferreira Mendes que chegou a conversar com Pimenta Neves sobre um boi que seria assado no haras naquele dia. O empresário também serviu cerveja para o jornalista, que bebeu enquanto conversava.

¿ Mais tarde eu só ouvi os gritos de socorro, a Sandra gritando ¿não¿, ¿não¿ e os dois disparos. Quando cheguei perto do local já vi que ele estava dentro do carro, olhando pela janela como se quisesse se certificar do que acabava de fazer, e saindo calmamente do haras ¿ contou o empresário.

A dona do haras, Marlei Setti, confirmou em depoimento e entrevista que também considerava que o crime havia sido planejado.

¿ Eu acredito que ele planejou, sim. Uma pessoa que age sob o impacto de uma forte emoção não fica esperando a vítima chegar conversando com as outras pessoas como se nada tivesse acontecido. Mesmo depois do crime, ele saiu do haras com uma expressão fria. Não parecia que havia matado um ser humano ¿ disse ela, que revelou ainda ter tido uma conversa com Sandra cerca de três meses ante do crime.

Hematomas no pescoço

Nessa conversa, disse a empresária, Sandra mostrou marcas de hematomas no pescoço.

¿ Ela me disse que havia apanhado do Pimenta, e realmente tinha marcas e hematomas espalhados no pescoço ¿ disse Marlei Setti.

Ainda no depoimento, Delmar Setti confirmou a versão do caseiro do haras, José Quinto, de que Sandra recebeu o primeiro tiro pelas costas, enquanto corria, depois que Pimenta tentou segurá-la pelo braço. Disse também que o jornalista se aproximou, agachou e disparou o segundo tiro, próximo ao ouvido. Pimenta Neves, segundo o empresário, entrou no seu carro e saiu do local calmamente.

Sem o porte de arma, Pimenta não teria matado Sandra Gomide. A avaliação é do psiquiatra Marcos Pacheco de Toledo, da Unifesp, antiga Escola Paulista de Medicina, que cuidou do jornalista por quatro meses depois que ele assassinou Sandra.

Arrolado como testemunha de defesa, o psiquiatra afirmou ao juiz Diego Ferreira Mendes, da 1ª Vara Criminal de Ibiúna, que Pimenta Neves era uma pessoa inteligente, ¿brilhante do ponto de vista intelectual¿, mas que não consegue lidar bem com as emoções.

¿ Muita gente é assim, é apenas um sinal de fragilidade ¿ afirmou o médico, acrescentando que a personalidade do jornalista é normal.

Perguntado se Pimenta Neves tinha intenção de matar Sandra Gomide quando foi ao Haras Setti e passou a manhã esperando por ela, o psiquiatra afirmou que não:

¿ Não, ele não tinha intenção. Quando foi lá ele não tinha intenção. Minha sensação é que houve encontro entre a perda de controle e o porte de arma ¿ disse Toledo.

O médico afirmou que Pimenta Neves queria ¿resolver¿ o problema ¿ o fim do namoro com Sandra ¿ de forma racional. Depois do rompimento, Pimenta Neves dava sinais de depressão. Segundo Toledo, o jornalista, que era obsessivo com a organização da casa e de objetos pessoais, passou a deixar a casa ¿bagunçada¿ com o fim do relacionamento.

Pai: Pimenta xingava Sandra

O pai de Sandra, João Gomide, disse que o jornalista maltratava sua filha e que chegou a chamá-la de ¿prostituta¿ e ¿vagabunda¿ num das discussões que tiveram no portão de sua casa.

¿ Ele nunca disse isso na minha frente, porque eu teria reagido, mas ouvi ele chamá-la de vagabunda e prostituta numa das vezes que discutiram no portão da minha casa ¿ disse o pai de Sandra durante o depoimento à Justiça.

Por fim, fez um desabafo:

¿ Não consigo ver minha filha morta e o Pimenta solto. Eu preferia estar na cadeia do que sem minha filha. Minha vida não existe mais. Espero que a justiça seja feita para a pessoa pagar pelo que fez. Só que já são quase seis anos que isso não e resolve. Será que é porque a pessoa tem dinheiro e eu não tenho? E com isso eu fico sem minha filha e ele numa boa? ¿ indagou o pai de Sandra Gomide, que acompanhou o resto do julgamento do plenário.

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