Título: Reação do governo é criticada por ex-diplomatas
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 05/05/2006, Economia, p. 29

Alegação principal é de que país deveria usar seu poder de barganha com os vizinhos para não ser prejudicado

BRASÍLIA. A reação do governo brasileiro e a conduta da diplomacia na crise com o governo boliviano receberam duras críticas de ex-diplomatas que já estiveram no centro das decisões e agora acompanham com atenção os desdobramentos da decisão da Bolívia de nacionalizar as reservas de petróleo e gás e os ativos da Petrobras naquele país. O ex-chanceler e ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres Paulo Tarso Flecha de Lima acha que o governo brasileiro precisa ser mais duro e que a decisão do governo boliviano foi um agravo gratuito e traiçoeiro ao Brasil.

Flecha de Lima lembrou que o presidente da Bolívia, Evo Morales, esteve três vezes no Brasil e deu garantias ao governo brasileiro, agora rompidas. O embaixador considera que o que está acontecendo na Bolívia é um processo de confisco dos bens brasileiros e que o Brasil tem um imenso poder de barganha que não está sendo usado em defesa do interesse nacional.

¿ Somos reféns gratuitos da Bolívia, quando a produção de soja boliviana para exportação é toda escoada pelo Brasil. Temos que ter uma reação dura, defender os nossos interesses. Não existe amizade entre países, existem interesses ¿ afirmou.

Flecha de Lima destaca que não há carência de gás no mercado internacional e considera que o Brasil poderia facilmente importar gás de outros países.

¿ A Argélia está louca para nos vender gás ¿ disse.

O embaixador, que hoje está aposentado, considera que o Itamaraty falhou ao não alertar o governo brasileiro sobre os riscos iminentes de prejuízos para a Petrobras.

¿ Erramos politicamente. A avaliação da situação interna da Bolívia foi falha. O presidente Evo Morales tem um histórico que não dá tranqüilidade ¿ disse.

Esta também é a avaliação de Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e atual presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp). Na sua opinião, o Itamaraty errou ao não antecipar o problema que a Petrobras enfrentaria e o governo brasileiro continua equivocado na forma de conduzir a crise.

Na visão de Rubens Barbosa, a nota divulgada ontem após o encontro de presidentes em Puerto Iguazú, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dá um tratamento político e ideológico à crise e põe o interesse brasileiro em segundo plano. O embaixador acha que a resposta do governo brasileiro à crise é tímida.

¿ Para o governo brasileiro, o interesse nacional deveria estar na frente de qualquer coisa. O governo está minimizando a expropriação de ativos de uma companhia estatal brasileira no exterior. Não vi até agora nenhuma declaração firme do governo brasileiro sobre a indenização dos ativos da Petrobras ¿ afirmou.

Barbosa criticou também a presença do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, na reunião para tratar de um problema entre Brasil e Bolívia.

¿ É o reconhecimento da liderança do presidente da Venezuela na região ¿ conclui, lembrando que o Brasil não teve a solidariedade de nenhum dos vizinhos nesse episódio.