Título: Pimenta volta para casa
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 06/05/2006, O País, p. 3

Assassino confesso de jornalista é condenado a 19 anos de prisão mas vai recorrer em liberdade

Depois de matar a namorada com dois tiros (um pelas costas e outro na cabeça, quando ela já estava caída), assumir a autoria do crime e ser condenado a 19 anos, dois meses e 12 dias de prisão, o jornalista Antônio Marcos Pimenta Neves deixou ontem o prédio do Fórum de Ibiúna livre para dormir em casa. Ele vai aguardar a decisão sobre os recursos à sentença em liberdade. O juiz Diego Ferreira Mendes entendeu que todos os argumentos que poderiam fundamentar a prisão de Pimenta Neves já haviam sido afastados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2001.

Por isso, o juiz já tinha como certo, desde o início do julgamento, que o jornalista só seria levado para uma penitenciária se, por exemplo, não comparecesse à sessão ou ameaçasse testemunhas. Após três dias de julgamento, Pimenta Neves deixou o Fórum ontem no carro de seus advogados, com as mãos no rosto, escoltado pela polícia, debaixo de vaias, gritos de assassino e sob os protestos da família de Sandra. Os promotores entrarão com recurso na segunda-feira no Tribunal de Justiça de São Paulo pedindo a prisão imediata do jornalista.

¿ A decisão que foi proferida há tempos foi sobre fatos que não mudaram. Teria mudado se ele tivesse tentado fugir, coagido testemunha ou não comparecido. Aí sim levaria à prisão. Se eu tomasse uma decisão contrária ao STF por conta de um clamor público, estaria um juiz de primeiro grau reformando decisão do STF, o que é um absurdo no estado de direito. Se minha decisão fosse tomada para agradar uma parte ou outra seria muito fácil ¿ disse o juiz, em entrevista.

Ontem, encontro com nova namorada

Pimenta Neves deixou o prédio do Fórum no fim da tarde no carro. Uma multidão aguardava pelo fim do julgamento do lado de fora do prédio. As pessoas demonstraram revolta com a decisão de deixá-lo recorrer da sentença em liberdade. Muitos chutaram o veículo e bateram nos vidros.

O jornalista foi diretamente para a casa onde mora, em São Paulo. Lá, se encontraria com a atual namorada. Depois de 34 horas de um julgamento marcado pela tentativa da defesa de qualificá-lo como um homem depressivo e perturbado por problemas familiares, enquanto a promotoria enfatizava que ele premeditou o crime de ¿maneira fria e calculada¿, os sete jurados derrubaram por sete a zero a tese dos advogados do jornalista e o condenaram a 19 anos, dois meses e 12 dias.

O júri, formado por quatro mulheres e três homens, entendeu que Pimenta Neves praticou o crime por motivo torpe e não deu chances de defesa à vítima, cometendo homicídio duplamente qualificado.

No início da leitura da sentença, o juiz foi duro em relação ao comportamento do réu. Disse que ¿não contente em disparar arma de fogo provida de munição de alta destruição contra as costas da vítima, ainda se aproximou, com esta já caída, e realizou um disparo de arma de fogo a, no máximo, 35 centímetros de distância¿. Ainda segundo a sentença lida por volta das 17h de ontem, Pimenta Neves, ¿apontado como possuidor de uma das mentes mais brilhantes do jornalismo¿, poderia ter se tratado dos problemas emocionais que, segundo a defesa, o levaram a praticar o crime. ¿Não é justo punir o simples e ignorante, que não tem cultura e recursos, da mesma forma que se pune uma pessoa esclarecida e repleta de oportunidades, como o réu, ainda que não estivesse em gozo de pleno discernimento emocional, mas possuía condição intelectual e financeira para procurar ajuda especializada¿.

O juiz lembrou ainda que o assassinato desestruturou a família de Sandra Gomide e que Pimenta Neves não considerou o quadro de depressão da mãe da vítima, do qual ele tinha conhecimento. Por esses crimes, o juiz Diego Mendes fixou preliminarmente a pena de 16 anos, que, por conta da classificação de motivo por torpe, foi acrescida em um quinto, passando para 19 anos, dois meses e 12 dias de prisão ¿em regime integralmente fechado¿.

Para promotor, foi feita justiça

No entanto, para a surpresa da família de Sandra Gomide, o juiz resolveu manter a decisão do STF, para que o réu responda o processo em liberdade. O juiz tomou a decisão com base no seguinte trecho assinado pelo STF: ¿Ninguém pode ser tratado como culpado, qualquer que seja a natureza do ilícito penal cuja a prática lhe tenha sido atribuída, sem que exista, a esse respeito, decisão judicial condenatória transitada em julgado¿. Em outras palavras, o juiz seguiu orientação de que Pimenta Neves responda em liberdade enquanto houver possibilidade de recursos no processo.

Os promotores Sergei Cobra e Carlos Horta Filho comemoram a condenação de Pimenta Neves.

¿ Apesar de não ter saído do Fórum preso, foi feita justiça. Foram mais de seis anos para ele ser julgado e uma condenação de 19 anos. Agora vamos recorrer para que ele volte a ser preso imediatamente ¿ disse Cobra, anunciando que na segunda-feira mesmo entrará com o pedido no Tribunal de Justiça de São Paulo.