Título: Não acredito mais nessa Justiça¿, diz pai de Sandra
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 06/05/2006, O País, p. 5

Parentes da jornalista protestam na saída do Fórum contra decisão; João Gomide mostrou surpresa diante do juiz

IBIÚNA (SP). Indignados e aos prantos, parentes da jornalista Sandra Gomide deixaram o prédio do Fórum de Ibiúna no início da noite de ontem condenando a decisão do juiz Diego Ferreira Mendes, que permitiu ao assassino confesso Antônio Marcos Pimenta Neves responder ao processo em liberdade, mesmo condenado a mais de 19 anos de prisão. Com os narizes pintados com batom vermelho, imitando palhaços, o pai, o irmão, a cunhada e tias da jornalista morta choraram e disseram que o país tem hoje ¿uma porcaria de Justiça¿.

Apoiado numa bengala, com dificuldades para andar, o pai de Sandra, o aposentado João Florentino Gomide, disse que não acredita que Pimenta seja preso um dia.

¿ Não acredito mais nessa Justiça do nosso país. Estou com vergonha de morar no Brasil. Essa Justiça é uma porcaria, é por isso que o país está desse jeito ¿ disse ele.

Pai começou a chorar no plenário durante leitura

João Gomide afirmou ainda que Pimenta Neves voltou ontem para a casa porque não se tratava de ¿um coitado qualquer¿.

¿ Ele (Pimenta) só foi para casa porque tem dinheiro, se fosse um coitado qualquer estaria atrás das grades.

No plenário do Fórum de Ibiúna, João Gomide não escondeu a surpresa com o fato de Pimenta Neve poder responder ao processo em liberdade. Logo no início da leitura da sentença, demonstrando confiança de que o jornalista deixaria a sala de interrogatório na condição de preso, o pai da vítima começou a chorar ainda no plenário enquanto o juiz lia os argumentos sobre sua decisão de mantê-lo em liberdade.

Pimenta Neves ficou preso por apenas sete meses, logo depois do crime. Antes, passou 40 dias numa clínica para tratamento psiquiátrico. Na delegacia, o jornalista dividiu uma cela de uma delegacia no Centro da capital paulista com o ex-estudante de medicina Mateus da Costa Meira, que entrou numa sala de cinema atirando contra a platéia, e com o ex-vereador Vicente Viscome, apontado como um dos chefes da máfia dos fiscais.

¿A Justiça não é feita para os poderosos¿

Aos berros, já na saída do plenário, uma das tias de Sandra, a professora Maria Angélica Gomide, disse que a partir de agora não sabe que tipo de exemplo poderia dar em sala de aula quando falasse sobre o Poder Judiciário.

¿ O que eu vou explicar para os meu alunos? Como vou fazê-los acreditar que a justiça pode ser feita? Aquele homem matou, confessou o assassinato e saiu de carro direto para casa. Isso não poderia acontecer ¿ disse ela, com mãos para cima, depois de ajoelhar na praça em frente ao Fórum exigindo justiça.

O irmão de Sandra, Nilton Gomide, também estava revoltado. Na sua opinião, a decisão de manter um réu confesso em liberdade aumenta a sensação de impunidade no país.

¿ Cada vez que um figurão desses é solto, a população fica mais certa de que a Justiça não é feita para os poderosos. O cheiro de pizza que tinha em Brasília agora também pode ser sentido em Ibiúna ¿ disse ele, enquanto amparava o pai.

Nilton Gomide, ao lado da mulher, acompanhou todas as sessões em que era permitida a presença de convidados ou parentes. Só deixou o plenário quando defesa e acusação discutiam sobre peças do processo em sigilo de Justiça.

O pai de Sandra, que no primeiro dia do julgamento permaneceu numa pequena sala reservada para as testemunhas, ontem foi ao Fórum apenas para acompanhar a sentença.

¿ Depois da morte da minha filha, essa foi a minha maior tristeza ¿ desabafou o pai da jornalista.