Título: Assopra e morde
Autor: Luís Fernando Rocha e Ramona Oedoñez
Fonte: O Globo, 06/05/2006, Economia, p. 33

Lula garante que aumento do gás boliviano não chegará ao bolso do consumidor

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu ontem que um eventual reajuste nos preços do gás boliviano vendido ao Brasil será absorvido pela Petrobras, sem chegar ao consumidor. E, ao cogitar a possibilidade de aumento, reafirmou uma disposição de negociar um aumento com a Bolívia. Já a estatal brasileira, apesar de afirmar em uma nota que não há divergências entre sua posição e a do governo, avisou que mantém a postura de recusar reajustes, recorrer à Justiça americana contra a Bolívia e suspender investimentos no país vizinho.

¿ Não acontecerá nada com os consumidores brasileiros. O gás não vai aumentar e, se aumentar, vai ser para a Petrobras e não para o povo brasileiro ¿ disse Lula em Aimorés, em Minas, na inauguração da Usina Hidrelétrica Eliezer Batista.

¿A posição da Petrobras é a de não aceitar aumento de preços, e vamos defender isso na negociação. Os novos investimentos da Petrobras na Bolívia continuam suspensos. Nada mudou em relação ao que temos afirmado¿, disse, na nota, o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli.

As declarações dissonantes começaram na terça-feira, quando Lula disse ter acertado com a Bolívia que a fixação dos preços do gás seria negociada entre os dois países. Na quarta-feira, Gabrielli convocou uma entrevista para anunciar que não aceitaria o reajuste, suspenderia investimentos e recorreria à Justiça americana. Quinta-feira, no encontro em Puerto Iguazú com os presidentes de Bolívia, Argentina e Venezuela, Lula declarou que negociaria com os bolivianos a questão dos preços e que, se houvesse garantia de retorno de lucro, a Petrobras continuaria na Bolívia.

Petrobras pretende recorrer em NY

Gabrielli explicou ontem que o contrato da Petrobras com a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB) prevê uma negociação, no prazo de 45 dias. Se não houver acordo, a Petrobras pretende recorrer à arbitragem internacional, na Justiça de Nova York, à qual está submetido o contrato. Ele admitiu, porém, que o encontro em Puerto Iguazú criou condições para uma negociação mais técnica.

Em Minas, Lula rebateu as críticas de que deveria ter agido com mais firmeza com a Bolívia. Para o presidente, é justo que o povo boliviano disponha de seus recursos naturais. E disse que, se não for possível o Brasil continuar comprando gás da Bolívia, outros caminhos serão encontrados:

¿ Não vamos fazer com a Bolívia o que os americanos fizeram com o Iraque. Nada de guerra, porque aquele povo é muito pobre e precisa de ajuda, não de arrogância.

Lula admitiu que não faltaram avisos de que a Bolívia nacionalizaria suas reservas, como o plebiscito que referendou a Lei de Hidrocarbonetos. E disse que em 1996, ao planejar o aumento da participação do gás na matriz energética ¿ de 2% para 12% até 2010 ¿ o governo (de Fernando Henrique Cardoso) esqueceu que o combustível era de outro país.

¿ O Brasil tem condições de estabelecer sua matriz energética sem ficar dependendo do gás. Temos capacidade de produzir agroenergia como nenhum outro país, seja do bagaço da cana, do biodiesel, do álcool ou até do gás, em que investimos pouco até hoje.

O presidente reafirmou que a Bolívia tem o direito de tomar decisões sobre suas riquezas naturais:

¿ A Bolívia tem o direito de tomar sua decisão soberana, assim como a Petrobras tem o direito de exigir o pagamento pelo investimento que fez. A Bolívia, de pedir preço justo pelo gás, e o Brasil, de defender preços justos para o consumidor.

Em São Paulo, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, descartou qualquer risco de interrupção no fornecimento do gás boliviano ao Brasil, ou de que haja perdas substanciais à Petrobras. Ele chamou de ¿tempestade em copo d¿água¿ as críticas ao governo.

¿ A economia continuará crescendo este ano, independentemente do gás. Já estamos tomando providências, investindo, para substituir esse gás.

A Petrobras, que no mês passado anunciou a auto-suficiência do Brasil em petróleo, alcançou em abril recorde mensal de produção, com média de 1,795 milhão de barris por dia, ultrapassando em 37 mil barris o pico anterior, de fevereiro. O resultado é um aumento de 6,6% em relação à média de 2005 e de 5,4% sobre a média de abril do ano passado.