Título: BUSH PERDE SEU ESPIÃO-CHEFE
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 06/05/2006, O Mundo, p. 39

Saída repentina do diretor da CIA sem anúncio de substituto surpreende os EUA

Opresidente George W. Bush surpreendeu o país ontem à tarde ao anunciar a renúncia do diretor da CIA, a Agência Central de Inteligência, Porter Goss. A inesperada notícia logo despertou especulações. Afinal, nenhum dos dois apresentou um motivo para tal iniciativa. E Bush, ao contrário do que costuma acontecer quando há substituições na alta cúpula do governo, tampouco anunciou um substituto ¿ o que só deverá acontecer na semana que vem.

¿ Ele me ofereceu a renúncia esta manhã e eu a aceitei ¿ disse simplesmente Bush, na Casa Branca.

Para presidente, o salvador da agência

Ao seu lado estava Goss, o homem que havia traçado um plano de reformas da CIA a ser realizado em cinco anos, e que o presidente aclamara como o salvador daquela agência.

O anúncio foi feito através de um videoteipe que mostrava Bush e Goss no Salão Oval, na Casa Branca, e divulgado minutos depois do encontro que, contrário ao costume do governo, não foi feito perante os jornalistas ¿ evitando-se, assim, perguntas aos dois. Assessores de Bush admitiram que o esquema fora montado às pressas.

¿ Goss tinha um cargo de transição na CIA, onde ajudou a agência a se tornar mais integrada à comunidade de inteligência ¿ disse Bush, como uma espécie de justificativa pelo curto período.

A primeira suspeita de que a saída tinha motivos menos corriqueiros foi disseminada de imediato em Washington: Goss teria pedido demissão frustrado pelo fato de que seu poder vinha sendo reduzido aceleradamente, devido à reestruturação que vem sendo feita no setor por John Negroponte. Este, um ano atrás, recebera de Bush a tarefa de coordenar as 16 agências de espionagem do país. Para isso criou-se para ele o cargo de diretor Nacional de Inteligência.

No início da noite surgiu uma segunda versão: Goss teria sido forçado a renunciar porque o Departamento de Justiça começara a investigar o envolvimento de Kyle ¿Dusty¿ Foggo, seu velho amigo ¿ e nomeado por ele como o terceiro homem mais importante na hierarquia da CIA ¿ num esquema de corrupção envolvendo o deputado Duke Cunningham, que fazia parte da Comissão de Inteligência da Câmara.

Obrigado a renunciar depois de ter admitido sua culpa, em novembro passado, Cunningham cumpre pena de oito anos e dois meses. E segundo as investigações, ainda em andamento, o esquema de corrupção envolvia também prostituição e jogatina. Foggo, da CIA, participara de jogos de pôquer em suítes do Hotel Watergate, organizadas por Cunningham ¿ que colocava limusines e prostitutas à disposição dos convidados, em sua maioria lobistas em busca de contratos governamentais.

Como era de se esperar, as reações no Congresso foram partidárias:

¿ Goss tornou a CIA mais eficiente, e como resultado disso os americanos estão mais seguros ¿ disse John Boehner, líder da maioria republicana na Câmara.

Jane Harman, deputada democrata da Comissão de Inteligência, rebateu:

¿ Eu nunca estive tão preocupada com a segurança do nosso país como esta semana. Nós ainda não conseguimos lidar com a al-Qaeda. A reorganização de nosso setor de inteligência continua vagarosa e a CIA está em plena queda ¿ disse, referindo-se a escândalos como a publicação de que a CIA levava suspeitos de terrorismo em vôos clandestinos para interrogatórios em prisões secretas suas na Europa, e o fracassado atentado contra Ayman al-Zawahri, o número dois da al-Qaeda, no Paquistão, que matou civis numa festa de casamento.

Popularidade cai para 33%

O clima tornou-se mais complicado para o governo com a divulgação, quase simultânea à saída de Goss, da mais nova pesquisa de opinião, mostrando Bush com o índice mais baixo de aprovação popular: 33%. O mesmo trabalho mostrou, ainda, que seis de cada dez conservadores ¿ partidários de Bush ¿ acham que o país caminha na direção errada.