Título: APÓS DURA DERROTA, BLAIR REFORMULA GABINETE
Autor: Fernando Duarte
Fonte: O Globo, 06/05/2006, O Mundo, p. 42

Pior desempenho dos trabalhistas desde 1982 leva premier a substituir chanceler e ministro do Interior

LONDRES. Numa analogia com uma luta de boxe, Tony Blair e o Partido Trabalhista não foram à lona, mas ainda assim levaram um murro que os jogou nas cordas: o primeiro-ministro e sua legenda sofreram uma dura derrota nas eleições municipais de quinta-feira, não apenas perdendo o controle em 19 distritos, incluindo tradicionais redutos trabalhistas de Londres, mas terminaram em terceiro lugar, com apenas 26% dos votos válidos, atrás do Partido Liberal-Democrata (27%) e do Partido Conservador (40%), para quem os resultados surgem como uma esperança de voltar ao poder no próximo pleito nacional.

Foi ainda o pior desempenho dos trabalhistas desde as eleições locais de 1982 e um claro sinal da perda do encanto do eleitorado com Blair, cuja popularidade despencou nas últimas semanas devido a denúncias de trocas de favores com empresários e a trapalhadas de alguns de seus principais ministros. Não por acaso, o premier ontem anunciou uma ousada reforma de seu Gabinete em que as principais vítimas foram o titular da pasta do Interior, Charles Clarke, e o ministro das Relações Exteriores, Jack Straw.

Guerra no Iraque derrubou chanceler

Enquanto Clarke pagou o preço pela revelação de que centenas de prisioneiros estrangeiros, incluindo estupradores e pedófilos, foram libertados em vez de serem deportados, Straw foi sacrificado por sua ligação com a participação do Reino Unido na invasão do Iraque, um dos principais fatores que derrubaram a credibilidade do governo ¿ ao menos recebeu como consolo o posto de líder do governo no Parlamento. O Ministério do Interior será ocupado por John Reid, um coringa que já passou pela Educação e pela Defesa. No lugar de Straw, Margaret Beckett, veterana trabalhista que se tornou a primeira mulher no cargo de chanceler.

¿ Não concordei com a decisão do primeiro-ministro, pois acredito que poderia ter resolvido os problemas do ministério. Mas a decisão final cabe a ele e continuo a seu lado ¿ disse Clarke, claramente insatisfeito.

Tal declaração foi um sinal de que a reforma ministerial poderá não ser suficiente para arrefecer os ânimos nas fileiras do partido, cujas alas mais rebeldes há algum tempo defendem a saída de Blair em favor do ministro das Finanças, Gordon Brown. No poder desde 1997, o premier, que já decidira não disputar um quarto mandato, ainda não deu sinais de quando pretende deixar o posto. Há quem diga que parlamentares trabalhistas mais rebeldes pretendem pedir formalmente sua renúncia. Brown em nada ajudou o colega ao comentar os resultados da eleição.

¿ O governo recebeu um tiro de aviso e chegou a hora de o partido se renovar para lidar com os desafios que teremos pela frente. Precisamos mostrar ao eleitor que ouvimos seus anseios ¿ disse o ministro.

A transição pacífica defendida por Brown, porém, parece improvável: durante a madrugada de ontem, nos diversos debates sobre as eleições, políticos das chamadas alas blairista e brownista bateram boca.

Embora as eleições locais tenham um caráter mais ligado aos problemas cotidianos de comunidades, são também uma oportunidade para o chamado voto de protesto. As projeções eram de um estrago ainda maior para os trabalhistas, que acabaram perdendo 309 cadeiras em todo o país, com um ganho de 299 para os conservadores. Mas para os analistas políticos, o estrago ainda não foi suficiente para sugerir que o partido comandado por David Cameron chegará ao próximo pleito nacional com chances reais de retomar o poder.

No entanto, é inegável que Blair agora se vê diante da possibilidade nada remota de um final amargo de sua carreira política. Certamente bem diferente do contexto por ele imaginado para o momento em que deixasse a residência oficial de Downing Street. De herói da modernização do trabalhismo britânico, marcada pela guinada em direção ao centro que foi como uma serenata para a classe média do país, Blair parece ter se transformado num problema para a causa trabalhista.