Título: O RIO DE JANEIRO NA OBRA DE CHICO BUARQUE
Autor: Laura Antunes
Fonte: O Globo, 07/05/2006, Rio, p. 26

Compositor, que adotou a cidade como tema do novo CD, já cantou a geografia e a alma carioca em 30 músicas

O pai era paulista; o avô, pernambucano; o bisavô, mineiro e o tataravô, baiano. Para todos, a origem revelada. Só não a própria, pouco proclamada, embora Chico Buarque, carioca do Catete, sempre tenha feito referências ao Rio em suas composições, seja como cenário ou metáfora. Antes de Chico criar ¿Carioca¿, o primeiro CD com músicas inéditas (previsto para chegar ontem às lojas) desde 1998, que tem o Rio como tema, ele havia declarado sua carioquice apenas uma vez, no verso ¿Eu sou do Rio de Janeiro¿, em ¿Partido alto¿ (de 1972).

Pelo menos 30 letras que fazem referência à cidade

Mas um olhar atento à obra de Chico revela que em pelo menos 30 letras há citações da cidade onde nasceu ¿ sem contar, claro, com o novo CD.

E esse Rio do repertório de Chico Buarque vai além das fronteiras da Zona Sul. Há referências a Copacabana (em ¿Las muchachas de Copacabana¿ por exemplo), Ipanema (¿A violeira¿), Leblon (Introdução para a Turma do Funil), mas também à Lapa (¿Palavra de mulher¿), aos morros da Mangueira (Piano na Mangueira), do Tuiuti (¿Uma menina¿) e Borel (¿Pivete¿). O bairro de Ramos é o cenário para ¿O rei de Ramos¿ e a Tijuca em ¿Pivete¿.

¿ O Rio sempre esteve presente na obra de Chico Buarque. Mas nunca como cartão postal. O Chico, que tem também um lado cronista, usa a cidade e fala sobre ela, muitas vezes como metáfora do Brasil. Um exemplo são as músicas da ¿Ópera do malandro¿, uma transformação do Brasil vista pela figura do malandro. Chico é carioca nas letras e nas músicas, embora o Rio nunca tenha sido tema, mas cenário de sua obra. A novidade do CD ¿Carioca¿ é que o Rio, desta vez, é o tema ¿ diz o jornalista e crítico de música Hugo Sukman.

Moradora da Lapa, a comerciária Simone Arruda de Lima é fã de Chico Buarque e seus ¿lindos olhos claros¿. Mas não tão conhecedora assim da obra do compositor, pois se surpreendeu ao saber que o chamado reduto da boemia carioca já havia sido homenageado em algumas músicas. ¿Palavra de mulher¿, ¿Ai, se eles me pegam agora¿ e ¿Homenagem ao malandro¿, as duas últimas para a peça ¿A ópera do malandro¿.

¿ Apesar de adorar as músicas do Chico, não sabia que a Lapa já tinha sido citada numa delas. Fico orgulhosa porque o nosso bairro sofre muito preconceito. É tido como uma região perigosa. É bom bem saber que um artista importante se lembrou daqui ¿ diz Simone.

Na música ¿Pivete¿ (1978), há referências a outras áreas do Centro (no verso ¿Dobra a Carioca, olerê. Desce a Frei Caneca, olará¿). Vendedor de loja na Rua da Carioca, José Raimundo de Souza não tem CDs de Chico, mas admira o trabalho do compositor. Ele gostou de saber que a rua onde trabalha é citada no repertório.

¿ É bom saber que a Carioca mereceu ser citada numa música do Chico. Que bom, né? Li que o CD que ele vai lançar por estes dias também fala muito do Rio. Tomara que a Rua da Carioca volte a aparecer e também Bonsucesso, onde eu moro ¿ brinca.

No novo CD, uma homenagem ao subúrbio

Já citada em músicas como ¿Canção de Pedroca¿, na qual cita os bairros de Ramos e Cascadura, a Zona Norte volta ao repertório de Chico. O novo CD traz a faixa ¿Subúrbio¿, que percorre inúmeros bairros bem além do Túnel Rebouças. Em entrevista na semana passada para divulgar o novo trabalho, o compositor contou, ao comentar ¿Subúrbio¿, que tinha outra melodia na cabeça, mas mudou de inspiração.

¿ Só tinha a palavra ¿azuis, azuis, azuis...¿. Até que pensei: ¿Chega de falar em azul, chega de falar nessa paisagem que eu conheço¿ ¿ disse Chico, explicando que optou por falar sobre o lado oposto ao da Zona Sul.

Região onde nasceu, a Zona sul já mereceu muitas citações na obra do compositor. Copacabana, Ipanema (com o Jardim de Alah), Gávea e o Leblon (e o Morro Dois Irmãos) estão para sempre registrados nela.

¿ Conheço ¿Las muchachas de Copacabana¿. Acho linda. Muito bacana essa referência ao meu bairro ¿ orgulha-se a dona-de-casa Lúcia Soares Coelho, outra fã.

Se em ¿Partido alto¿ Chico se revelou publicamente carioca, na música ¿Samba de Orly¿ (de 1970), o compositor fez uma declaração de afeto à cidade, no verso ¿Beija o meu Rio de Janeiro¿, o sentimento de um exilado que fala com alguém que volta ao Brasil.