Título: PIVÔ DA CRISE, MAURÍCIO MARINHO VIRA EVANGÉLICO
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 07/05/2006, O País, p. 8

Ex-chefe dos Correios, ele foi demitido, vive recluso e contou que pensou em se matar até se converter

BRASÍLIA. Há um ano, um rosto até então anônimo transformou-se na mais nova face da corrupção no Brasil. As imagens de Maurício Marinho, então chefe do Departamento de Contratação e Administração de Material dos Correios, recebendo um maço de notas de arapongas e levando-o ao bolso chocaram o país e deflagraram a crise política que se arrasta até hoje. Doze meses e diversas biografias enterradas depois, o pivô do escândalo do mensalão não é mais visto em público. Nas poucas vezes em que sai de casa, só tem um destino: um pequeno templo evangélico no Lago Norte de Brasília, lugar em que diz ter encontrado Jesus e reunido forças para não cometer suicídio.

No aniversário de divulgação do vídeo em que foi flagrado recebendo R$3 mil em nome do deputado Roberto Jefferson (PTB), Maurício Marinho não quer nem ouvir falar do assunto. Orientado por seus advogados, que são os pastores responsáveis pela Igreja Cristo é Vida, onde passa horas a fio em vigília ao lado de cerca de cem fiéis, ele vem recusando inúmeros pedidos de entrevista. Mas recentemente disse à revista evangélica ¿Show da fé¿ que se converteu porque estava desesperado. Ao sacudir a vida política do país e mexer com gente tão poderosa, tinha medo de ser assassinado.

¿ Procurei o Baitello (José Ricardo Baitello, seu advogado e principal pastor da Igreja) pensando inclusive na possibilidade de acabar com a minha própria vida, pois, para mim, eu valia mais vivo do que morto ¿ afirmou na entrevista à revista. ¿ Reuni a minha família e disse que deveríamos nos apegar a alguma coisa, pois senão nós quatro iríamos sucumbir.

Advogado que também é pastor

Marinho, a mulher e os dois filhos se converteram em dezembro do ano passado, em uma cerimônia realizada numa piscina do templo. Eles foram batizados por Baitello e pelo pastor ¿ e também seu advogado ¿ Sebastião Coelho. A cerimônia foi toda fotografada pela família, que cedeu as fotos à revista evangélica.

¿ Aquele foi um momento de paz e chegou numa hora da vida em que ele recebia tiros vindos de todos os lados. Se ele tivesse encontrado Jesus antes, com certeza não passaria por isso, por maior que fosse a tentação ¿ diz Sebastião Coelho, referindo-se à decisão de Marinho de aceitar o ¿agrado¿ oferecido a ele pelos arapongas que o filmaram com uma câmera escondida.

Depois que as imagens começaram a pipocar na TV e cruzaram até as fronteiras do país, Marinho decidiu pela clausura. Ele vive hoje com a mulher e o filho mais novo em um apartamento próprio no primeiro andar de um prédio na Asa Norte. O filho mais velho, que tem o nome do pai, mora no mesmo prédio, só que no sexto andar. Com medo de ser fotografado, ele evita aparecer na janela e só deixa o prédio num carro com vidros escurecidos e sob escolta de policiais federais à paisana.

¿ Hoje ele se preocupa mais com a família. Os amigos, que agora ele percebeu que não eram tão amigos assim, o abandonaram ¿ conta Baitello.

Esperança de voltar

Há um ano, sua vida era bem diferente, segundo contaram vizinhos que agora só o vêem no elevador.

¿ Marinho sempre foi alegre, passeava sempre com a neta pela quadra e ia a pé quase todo dia ao supermercado ¿ contou um deles, que diz lamentar o ocorrido. ¿ Como uma pessoa se suja por três contos (R$3 mil)? É uma pena. Hoje ele vive preso em casa.

Mesmo tendo mudado radicalmente sua rotina, Marinho, aos 55 anos, ainda alimenta esperanças de retornar ao serviço público. Funcionário de carreira dos Correios, ele foi exonerado em novembro do ano passado por justa causa, após a conclusão de uma sindicância interna. Depois disso, ingressou com uma reclamação trabalhista na Justiça do Trabalho alegando que não teve direito de defesa na investigação.

¿ Consideramos que os Correios foram totalmente arbitrários. E ainda praticaram falsidade ideológica ao utilizar a assinatura de João Henrique (o ex-presidente da estatal, João Henrique de Almeida Sousa) no processo de demissão quando ele não era mais o presidente ¿ alega Sebastião Coelho.

O esforço de Marinho não agradou a alguns ex-colegas de trabalho. Presidente do Sindicato dos Funcionários dos Correios, Moyses Leme acha que o escândalo causou um estrago à imagem da estatal e, principalmente, de seus servidores. Ele conta que depois da divulgação maciça das imagens recebeu inúmeras reclamações de carteiros e outros funcionários que passaram a ouvir nas ruas piadas relacionadas à conduta do colega promovido à galeria dos servidores públicos flagrados em atos de corrupção:

¿ Durante muito tempo essa marca vai ficar em cada um dos 108 mil trabalhadores, a grande maioria, é claro, de bem. Nós queremos que o caso seja logo investigado e que haja punição ¿ afirma Leme.

Inquérito está quase concluído

O futuro de Maurício Marinho e de outros personagens dos Correios que apareceram nas investigações que se seguiram ao flagrante está perto de ser conhecido. O Ministério Público Federal (MPF) deve concluir nas próximas semanas a denúncia sobre o caso, que será enviada à Justiça. E, a julgar pela recente decisão da Procuradoria Geral da República que denunciou por diversos crimes 40 envolvidos no esquema do mensalão, o MPF deve ser duro novamente.

Na entrevista que deu à revista evangélica, Marinho admite que errou ao pegar aquele maço de notas, mas continua sustentando a tese de que foi vítima de uma cilada e que nunca influiu nas licitações dos Correios:

¿ Não faço licitações nos Correios. Nunca fiz.

www.oglobo.com.br/pais