Título: EM IBIÚNA, POPULAÇÃO QUERIA A PENA DE MORTE
Autor: Dorrit Harazim
Fonte: O Globo, 07/05/2006, O País, p. 13

Pimenta Neves deixa a cadeia livre apesar da condenação e revolta moradores da cidade onde jornalista foi morta

SÃO PAULO. ¿Ele não passa de um cruel. Merece ser linchado¿, decretou a doméstica Ana Lúcia Vieira, de 40 anos, já no primeiro dia do julgamento do jornalista Antônio Pimenta Neves. Ela se postara cedo na pracinha do Fórum de Ibiúna, enrolada num moleton roto. Queria ver ¿o assassino¿. Foi em Ibiúna, cidade situada a 64 km a oeste de São Paulo, que o então diretor de Redação do jornal ¿O Estado de S.Paulo¿ matou com dois tiros pelas costas sua ex-namorada, a também jornalista Sandra Gomide. Foi em Ibiúna que os advogados de defesa do jornalista conduziram uma sondagem de opinião para medir as prováveis inclinações do júri popular composto por sete membros da comarca. O resultado da enquete foi inequívoco: a grande maioria dos 65 mil habitantes da cidade era favorável à pena de morte para o réu. Felizmente para Pimenta, a pena de morte foi abolida no Brasil em 1891.

¿Matar todo mundo mata, mas quando você acaba com alguém de família estruturada é pior¿, argumentava, em tom que considerou mais ponderado, o vendedor João Leite, de 41 anos, que também fincou cadeira cativa na praça ao longo dos três dias de julgamento. ¿Não adianta nada ele sair livre porque o pai da moça vai acabar com ele. Esse pai já morreu psicologicamente¿.

Pai da vítima estava decidido a matar assassino

De fato, até meados do ano passado, o pai da jovem assassinada ainda usava linguagem semelhante ao vaticínio do morador de Ibiúna. Em entrevista ao repórter Flávio Freire, de O GLOBO, João Gomide admitiu que se postara várias vezes em frente à residência do matador de sua filha decidido a matá-lo. Para sorte do jornalista, suas saídas de casa jamais coincidiram com a campana de um pai que perdera tudo ¿ a filha, o equilíbrio mental da mulher, a própria saúde, a vida que levava até a tarde de 28 de agosto de 2000, data do crime. Passou quase seis anos corroído pelo fato de Pimenta ter obtido acórdão do Superior Tribunal de Justiça para responder em liberdade.

João Gomide, mecânico de automóveis aposentado, só foi rever o Antônio Pimenta Neves que conhecera poderoso, temido, soberbo e arrogante, cinco anos, oito meses e 14 dias após o crime. Primeira testemunha de acusação a ser ouvida, o pai de Sandra ocupou assento à frente do juiz, com Pimenta sentado na lateral, a menos de três metros de distância. Durante os 40 minutos de depoimento de Gomide, o réu permaneceu encolhido entre os seus dois advogados de defesa. E na única vez em que o pai da filha assassinada virou-se de lado para responder a uma pergunta da defesa, pôde ver Pimenta esconder o rosto na toga de Frederico Muller. ¿Espero que a Justiça seja feita, não porque sou vingativo¿, declarou em juízo. ¿Sei que já falei muita bobagem durante estes seis anos mas agora não penso mais assim. O que peço mesmo é que ele cumpra o que tem a cumprir¿. Parecia cansado, exaurido antecipadamente pelo que a literatura criminal chama de ¿tristeza pós-sentença¿, na qual o impulso emocional de vingança é substituído pela sentença judicial.

Só que a sentença anunciada ao final de mais de 34 horas de trabalhos não veio acompanhada da única prova material e física capaz de dar algum alento à família Gomide: ver o homem que matou Sandra sair algemado do tribunal, rumo a uma penitenciária, para cumprir a pena de mais de 19 anos de prisão em regime fechado. Por decisão do juiz Diego Mendes, casado, 29 anos, que assumiu há cinco meses o cargo de titular do Tribunal do Júri de Ibiúna e seguiu decisão anterior do STF, o réu manteve o direito de recorrer da sentença em liberdade.

Idade abre caminho para redução da pena

Assim, Antônio Pimenta Neves deixou Ibiúna para trás. Em carro particular. Com um prazo médio de cerca de um ano até ocorrer o julgamento da apelação à segunda instância. Até lá, já terá completado 70 anos de idade, abrindo caminho para que sua pena seja reduzida a um sexto, ou algo em torno de três anos e meio. Como o réu já cumpriu sete meses preventivamente, pode vir a ter, em tese, menos de três anos a cumprir.

¿ Eu, se fosse jornalista, jogaria meu diploma no lixo porque ninguém conta essa história direito. E o jornal que publicar o livro que Pimenta ainda vai acabar escrevendo também deveria ser jogado no lixo. Ele tratou nossa família como piolhos ¿ declarou no início do julgamento o irmão de Sandra, Nilton Gomide.