Título: Investimentos do Brasil estão parados na Bolívia
Autor: Regina Alvarez e Geralda Doca
Fonte: O Globo, 07/05/2006, Economia, p. 41

Grupo de empresários se reúne para avaliar a crise, que já afeta ramos de engenharia e de venda de máquinas

BRASÍLIA. O clima é de insegurança e receio entre os empresários brasileiros que têm negócios em diversos ramos na Bolívia. Alguns estão cancelando investimentos à espera de uma melhor definição das regras do jogo do governo de Evo Morales. Na noite de sexta-feira, um grupo se reuniu no escritório da Câmara Nacional de Comércio Boliviano-Brasileira, em Santa Cruz de La Sierra, para avaliar a crise que afeta a Petrobras. Prevaleceu o temor de que novas medidas atinjam outras empresas brasileiras.

A Câmara tem 82 associados, entre empresas brasileiras e bolivianas com interesses no comércio bilateral. A presença de empresas brasileiras na Bolívia é diversificada. Inclui desde a Petrobras até o pequeno comércio, passando por construtoras de grande porte, consultorias e produtores de soja. Segundo dados da Câmara, o estoque de investimentos brasileiros na Bolívia chega a cerca de US$100 milhões, excluídos os recursos da Petrobras. Mas o número pode estar subestimado.

¿ O momento é de apreensão e incerteza em relação ao que mais pode vir de surpresas desse governo. Ele (Evo Morales) fez várias promessas na campanha e está cumprindo. O nosso temor é que outras medidas possam prejudicar as empresas brasileiras ¿ disse o presidente da Câmara, José Eneas Bueno Jr., que também é gerente-geral do Banco do Brasil em La Paz.

Bolivianos acreditam que são roubados, diz empresário

Marcelo Muruzzi de Moraes, gerente da Ecoplan Engenharia ¿ que atua há dois anos na Bolívia, onde aplicou US$7 milhões ¿ contou que a empresa decidiu não participar de três licitações de grande porte até que haja mais clareza nas ações do governo. Foram mantidas apenas as licitações em andamento. A Ecoplan faz supervisão de obras em estradas e desenvolve projetos de engenharia para construtoras.

¿ O clima de incerteza é muito grande e nós temos receio do que possa vir ¿ disse o empresário, acrescentando que a maior dificuldade da companhia hoje é de relacionamento. ¿ O contexto está ruim para os brasileiros. Os bolivianos sempre acham que estão sendo roubados, que são os coitadinhos da América do Sul.

Dono da Rodatrack ¿ empresa brasileira que presta serviços de mão-de-obra e vende peças e máquinas pesadas para a agricultura e petroleiras ¿ Arno Cesconetto sente os reflexos das decisões de Morales por causa da instabilidade que se instalou no país. Ele reclama que tem prejuízos, pois as mercadorias que compra do Brasil (em São Paulo), seu principal fornecedor, estão paradas na fronteira, que está fechada.

¿ Indiretamente, estou sendo prejudicado. Estou com dificuldades para atender aos clientes ¿ queixou-se ele, que suspendeu novos projetos. ¿ Com esta crise, o momento é de cautela. Estamos parados.

Construtoras evitam fazer críticas a Morales

Cautelosas, grandes construtoras brasileiras que têm negócios no país evitam fazer críticas à gestão de Morales e afirmam que, por enquanto, não há preocupação no segmento. Responsável pelos negócios da Queiroz Galvão, o engenheiro Aloísio Reis explica que a empresa executa um projeto de US$180 milhões no país: a construção de 430 quilômetros de uma rodovia que corta o território boliviano. O projeto é financiado por Banco do Brasil (Proex), Corporação Andina de Fomento (CAF) e Fundo para o Desenvolvimento da Bacia do Plata (Fonplata).

O engenheiro Fernando Bessa comanda os negócios da Construtora Norberto Odebrecht na Bolívia, uma das três empresas brasileiras envolvidas com o projeto de integração física da América do Sul, financiado por organismos como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a CAF.

O carro-chefe do projeto é a construção de uma rodovia que ligará Santa Cruz de La Sierra a Puerto Suárez (na divisa com o Brasil) e Corumbá. A Odebrecht está construindo um trecho de 108 quilômetros entre El Carmem e Puerto Suárez. Todo o projeto da rodovia tem custo estimado em US$340 milhões.

¿ A preocupação é com o médio prazo, com a redução de investimentos no país. Os nossos negócios não serão afetados. Assinamos em dezembro o contrato para a construção desse trecho da rodovia e a obra estará pronta em três anos ¿ disse Bessa.

Em relação ao projeto Iirsa (Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana), a gestão de Morales ainda não criou dificuldades.

¿ O ambiente político mais tenso não deve afetar o projeto, já que as obras são de médio e longo prazos e as discussões têm caráter mais técnico ¿ afirma o coordenador do projeto junto ao BID, o engenheiro brasileiro Mauro Marcondes.