Título: ZIMBÁBUE: A VIDA SOB HIPERINFLAÇÃO
Autor: Michael Wines
Fonte: O Globo, 07/05/2006, O Mundo, p. 49

Preços sobem todo dia num país atormentado por recessão e miséria

HARARE. Como é a inflação no Zimbábue? Bem, considere que num supermercado perto do centro da empobrecida capital o papel higiênico custa 417 dólares. Não uma unidade. Este é o preço por uma embalagem com dois rolos. Um rolo custa 147,750 dólares zimbabuanos, o que corresponde a US$0,69.

Como qualquer coisa no país, o preço do papel higiênico sobe quase que diariamente, o que provoca piadas sobre o melhor uso para uma nota de 500 dólares zimbabuanos, agora a menor em circulação. Mas o que está acontecendo não é motivo para riso. Porque para muitos zimbabuanos, papel higiênico, pão, margarina, carne e até mesmo uma xícara de chá se tornaram luxos inimagináveis. Este é o resultado de uma hiperinflação que está chegando a 1.000% ao ano, um índice geralmente visto apenas em zonas de guerra.

Desemprego atinge 80% dos trabalhadores

Há uma década o Zimbábue é atormentado por uma profunda recessão e uma elevada inflação, mas nos últimos meses a economia parece ter se descontrolado completamente. O orçamento nacional para 2006 em grande parte já foi gasto. Os serviços do governo começaram a desmoronar.

Há meses a pureza da água potável de Harare ¿ retirada de um lago onde é despejado o esgoto da cidade ¿ deixou de ser confiável, e a disenteria e a cólera atacaram a cidade em dezembro e janeiro. A capital sofre com cortes de energia e o lixo se acumula nas ruas de favelas.

A inflação do Zimbábue dificilmente é a maior da História, mas é a maior do mundo atualmente, e tem sido há algum tempo. As taxas de escolas públicas e outras cobradas pelo governo começaram a superar a renda mensal de famílias urbanas que têm a sorte de encontrar trabalho. O desemprego atinge 70% dos 4,2 milhões de trabalhadores, ou 80%, se considerados os agricultores ociosos. Quem consegue poupar dinheiro não põe em bancos, porque o rendimento anual varia de 4% a 10%, preferindo comprar sacos de fubá de milho e açúcar, que não perdem o valor.

¿ Há um surrealismo aqui difícil de as pessoas entenderem. Se você precisa de alguma coisa e tem dinheiro, compra. Se você tem dinheiro, gasta hoje, porque amanhã vai valer 5% menos. Horizontes normais não existem aqui ¿ afirma Mike Davies, presidente da Associação de Moradores de Harare.

O presidente Robert Mugabe reage às dificuldades de duas maneiras. Embora não haja uma grande ameaça a seu governo de 26 anos, a oposição está organizando protestos contra a situação econômica. Então Mugabe se agarrou ainda mais ao poder, entregando a economia a um conselho de segurança de aliados. Além disso, entregou ministérios civis a oficiais militares, que agora controlam setores como segurança de alimentos e coleta de impostos. Ao mesmo tempo, o governo imprimiu trilhões de dólares para manter os ministérios funcionando e garantir os salários de aliados.