Título: Brasil desperdiça o seu gás
Autor: Regina Alvarez, Flávia Barbosa e Monica Tavares
Fonte: O Globo, 08/05/2006, Economia, p. 15

Por falta de gasoduto, país reinjeta em campos ou queima 15 milhões de metros cúbicos/dia

OBrasil deixa de utilizar 15 milhões de metros cúbicos diários de gás natural ¿ mais de metade do que importa da Bolívia ¿ por falta de infra-estrutura para entregar o combustível aos consumidores finais. Dos 48,5 milhões de metros cúbicos de gás natural produzidos no país por dia, 8,2 milhões são reinjetados nos campos e outros 6,8 milhões são queimados e perdidos. Somado, o desperdício equivale a 31% da produção e está muito próximo da demanda diária de cerca de 14 milhões de metros cúbicos do estado de São Paulo, que é o maior consumidor do país e também o mais dependente do gás boliviano.

A crise provocada pela nacionalização das reservas de petróleo e gás da Bolívia colocou em evidência um problema antevisto por especialistas, que é a excessiva dependência do gás importado. E abriu espaço para uma discussão polêmica, que é a estratégia da Petrobras em relação a esse combustível.

Embora a empresa tenha revisto, em meados do ano passado, seu plano de negócios para o setor, ampliando investimentos, os analistas consideram que o atraso na construção de gasodutos e plataformas de exploração de petróleo e gás é uma das razões que levou à dependência extrema que o país tem hoje da Bolívia. São importados de lá a metade do consumo nacional e 97% do que São Paulo, o maior parque industrial do país, utiliza.

Desde 2000 não há novos gasodutos

Desde 2000, nenhum gasoduto é construído no Brasil. O último foi justamente o Bolívia-Brasil, de 3.150 quilômetros de extensão, que agora está ameaçado. Enquanto isso, problemas ambientais e de gestão emperraram o andamento de todos os demais projetos de gasodutos nacionais e de outras obras de infra-estrutura, que poderiam reduzir fortemente a dependência do gás boliviano e evitar o desperdício do produto extraído das reservas do país.

As reservas do Brasil hoje somam 306 bilhões de metros cúbicos e os especialistas são taxativos: o Brasil poderia ter auto-suficiência na produção de gás natural, se tivesse realizado os investimentos adequados. Mas se dedicou a um outro objetivo: a auto-suficiência na produção de petróleo, que se tornou a prioridade absoluta da Petrobras.

¿ A Petrobras ficou muito preocupada com a auto-suficiência do petróleo e esqueceu do gás. Agora, o apagão do gás vai depender do humor do Evo Morales ¿ afirmou Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Pires acredita que faltou planejamento do governo e da Petrobras em relação ao gás natural e que, no curto prazo, não há solução à vista. Mas medidas precisarão ser tomadas para resolver o problema no médio e longo prazos. Uma das alternativas, na avaliação do diretor do CBIE, é atrair os investidores que vão sair da Bolívia para agilizar as obras de infra-estrutura no Brasil.

Segundo especialistas, uma das obras em atraso é o gasoduto que ligará Campinas (SP) a Japeri (RJ). O projeto deveria ter sido concluído em 2004, mas ficou quase dois anos parado aguardando licença ambiental do Ibama e a previsão de conclusão agora é em 2007. Com a obra, a Petrobras poderia levar gás da Bacia de Campos para São Paulo.

Na Amazônia, outros dois gasodutos (Urucu-Porto Velho e Urucu-Manaus) não saíram do papel por problemas diversos: licenciamento ambiental, financiamento e falhas nas licitações. No estado do Amazonas concentra-se um dos maiores desperdícios de gás natural. A produção é de 9,7 milhões de metros cúbicos de gás por dia, sendo que 5,9 milhões são reinjetados e outros 2,5 milhões são queimados. O Gasene, que interliga as regiões Sudeste e Nordeste, não saiu ainda do papel.

Obra no Espírito Santo está atrasada

As obras para exploração de gás também estão atrasadas no Espírito Santo. Projetos que deveriam ter terminado em julho de 2005 têm conclusão prevista somente para dezembro próximo. Os campos têm capacidade de produção entre dez milhões e 12 milhões de metros cúbicos/dia, o que equivale de 20% a 25% da atual produção nacional.

¿ A Petrobras tem maneiras de reduzir a fragilidade em relação à Bolívia e uma das saídas é o gás do Espírito Santo, mas faltam os gasodutos ¿ disse o secretário de Desenvolvimento Econômico do estado, Júlio Bueno, que trabalhou 29 anos na Petrobras e foi presidente da BR Distribuidora.

Em compensação, a Petrobras está trabalhando em ritmo acelerado para pôr em produção, a partir de 2008, o campo gigante de Mexilhão na Bacia de Santos, com um volume inicial de produção de 12 milhões de metros cúbicos por dia.

Na avaliação de Giuseppe Bacoccoli, pesquisador da Coordenação dos Programas de Pós-Gradução em Engenharia (Coppe-UFRJ), não há dúvidas de que o Brasil já poderia ter alcançado a auto-suficiência na produção de gás. A partir da crise boliviana, disse, ficou para trás o tempo em que o investimento em dutos não se pagava, como ocorreu com a Bacia do Solimões, no rio Juruá (Região Norte), cuja reserva de 20 bilhões de metros cúbicos foi descoberta em 1978 e permanece inexplorada.

¿ O Nordeste é o exemplo de como precisamos aumentar a oferta de gás. A situação até agora era acender uma vela para São Pedro e outra para Evo Morales. Porque, se não tiver reservatório cheio (hoje Sobradinho está lotada), não tem energia no Nordeste ¿ disse Baccocoli.

MORALES QUER AUMENTO DE 60%, na página 16